quinta-feira, 24 de novembro de 2022

A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

 

Por De Castro e Silva[i]

É ainda grande o prazer que sinto ao ficar em contato com a Natureza, não como um panteísta, ajoelhado perante ela, mas como um artista sedento de paisagem e harmonia, em todas as suas cores, dando aos olhos uma alegria imensa.

Com esse desejo foi que me decidi fazer uma excursão à Cachoeira de Paulo Afonso, esses 250.000 cavalos vapor que correm, a esmo, num desperdício de força, sem que, até agora, merecesse a boa vontade do seu aproveitamento integral.

Cachoeira de Paulo Afonso - Queda "Os Três Mosqueteiros"

Eram 16 horas, num trem da Great Western, quando larguei da estação central de Maceió, com os demais, que, a despeito de vários pensamentos, se uniformizavam na vontade de ver a cachoeira tão falada, que cada um imaginava a seu modo.

Sucederam-se as estações e a noite caiu lentamente, quando o sol desapareceu por detrás dos morros e dos canaviais que margeiam a estrada. Eram já 23 horas quando o trem, cansado da subida, alcançou Palmeira dos Índios, ponto culminante desse ramal da via férrea.

Pela manhã, ao nascer do sol, saímos a respirar o ar cheiroso das manhãs, defendendo-nos dos “catabís” ou “bacadas”, como se diz no Brasil central, existentes nos caminhos.

A vegetação desse lugar, já no Sertão, é característica. Os cactos, a “coroa de frade”, o “chique-chique” e marmeleiro enchem a paisagem por entre as pedras enormes, tantas vezes aproveitadas por Lampião e seu grupo, em várias emboscadas.

Vão surgindo as casinhas dos sertanejos e manadas de cabras moxotós, carneiros, os cercados de pedra, e as plantações de palmas que os moradores, por causa das secas fazem, previdentes.

Perto das 17 horas, dentro da cidade da Pedra, no alto sertão alagoano, contemplamos o movimento fabril por excelência. A par da pecuária e da agricultura regionais, ergue-se uma bem aparelhada fábrica de fio, a maior ambição de um caboclo cearense que conseguiu industrializar o algodão para a linha de coser – a tão falada “linha da Pedra”.

Estação Central de Maceió. Fonte: Site História de Alagoas.

Esse caboclo, que nunca é demais repetir, é Delmiro Gouveia, o mais autêntico bandeirante dos sertões nordestinos. Audacioso como todo cearense, e malgrado, como todos os que possuem larga visão e combatem a rotina, Delmiro deu a Pedra um desenvolvimento e um progresso tal que, enriquecendo as regiões circunvizinhas, viria a ser uma larga fonte de turismo nacional.

É preciso visitar esse deslumbramento para conhecer o valor e a capacidade criadora do seu realizador, aproveitando a Paulo Afonso, em glorificação e tenacidade. Só assim poderá observa a ousadia desse vencedor de obstáculos que parecem impossíveis de vencer.

Delmiro deixou bem gravadas, nas rochas de Paulo Afonso, há mais de 25 anos, um valioso exemplo a seguir. No entanto... a nossa visita à cachoeira coincidiu com o vigésimo sexto aniversário do crime que vitimou esse grande e esforçado, ferindo também, a fundo, uma grande parte da economia nacional, a aproveitar com a força hidráulica ali produzida.

***   ***

Num velho “Ford” de bigodes virados e capotas de lona, quedamo-nos diante dessa cachoeira que Dom Pedro visitou a 20 de setembro de 1859, 84 anos antes. Já se ouve, à distância, o barulho de suas águas, despencando-se de uma altura considerável, e, pelo caminho avista-se, aqui e ali, descoberto, o encanamento de umas 3 polegadas, que conduz água para a fábrica da Pedra. Caminhamos agora a pé e daqui, do “Alto do Imperador”, admirando a queda que nos fica em frente, o “véu da noiva”, no lado baiano, a casa das máquinas encravadas nas pedras colossais, a água espumosa e enredemoinhada que passa em procura do rio que corre – para sentir em mistura com êxtases, a alegria, a tristeza de saber que ali, onde nos encontramos agora, foram jogadas à água todas as máquinas que Delmiro adquiriu e com que chegou a fábrica de linha de coser, concorrente de outra, de fama mundial...

Recordamos sem querer os versos de Olegário Mariano – “água corrente, vê que o teu destino é igual ao destino da gente”...

Vamos passar agora com um “trolley” velhinho que nos conduzirá ainda mais perto da cachoeira, à casa das máquinas, à contemplação mais próxima desse assombroso panorama artístico! Os nossos olhos deslumbram-se, o nosso coração parece que vai saltar e não sabemos se, avançando ou parados, contemplaremos melhor esse quadro vivo que a natureza nos mostra.

À direita, do lado de Alagoas, os “Três Mosqueteiros” parecem esgrimir nas rochas e as suas acrobacias e pelejas chegam até nós, trazida nas espumas, que se elevam ao sentirem-se mais apertadas nos lados. Parece que uma noiva passou por aí a arrastar o seu véu comprido. É isto o que nos lembra outra queda, à esquerda, do lado da Bahia. A indecisão nos persegue e não sabemos para onde ir. Tudo nos encanta e, perplexos, diante da Natureza, que é força e beleza, e da obra realizada pelo homem, “que a conquistou para as grandes realizações da vida”, como disse o jornalista Costa Rego, quando governador de Alagoas, andamos a passos descuidados, invejando as andorinhas, que volteiam felizes sobre as espumas, e as ervas, que se agarram às pedras brutas, molhadas ininterruptamente pela água, que passa, numa vertigem louca... Por um mundo de escadas de ferro e por um helicoidal, de 150 degraus, vendo a cachoeira e abismo debaixo dos nossos pés, descemos para ver as máquinas possantes que a coragem do nordestino Delmiro Gouveia, traiçoeiramente morto, por ser grande, fez assentar na cachoeira, querendo aproveitar a sua força. Talhadas na rocha, como os antigos egípcios fizeram, estão instaladas as turbinas, impulsionadas por 3 dínamos trifásicos, de 7.000 volts.

Os canos que descem, fazem uma sucção de 6.000 litros por segundo. Tem-se até agora apenas, um aproveitamento de 1.500 HP.

Deixamos a casa das máquinas e quisemos experimentar nova sensação. Trepamos numa caçamba, suspensa por 2 cabos de aço ligando dois Estados que se olham através da cachoeira. Mais um impulso e, eis-nos no meio do abismo de água e espuma, que passa dando mil voltas e contorcendo-se no apertado das rochas marginais. Estamos a uns 200 metros de altura e a caçamba balança nos cabos, pondo os nossos nervos à prova. Em baixo, formam-se lindos arco-íris, pela refração solar, e logo me lembrei de haver admirado quadro idêntico em um dos últimos passeios de avião que fiz sobre as salinas de Mossoró e Areia Branca, no Rio Grande do Norte.

Mais um impulso, e chego às pedras da Bahia. Sobre elas, como o Cristo no sermão da montanha, tenho a meus pés a água que passa cantando. As andorinhas continuam voando sem parar e, em volta, por cima da cachoeira, numa frágil caçamba, pois tudo diante dela se torna frágil e minúsculo... Revendo e subindo as mesmas escadas, deixo-me fica, ainda uma vez, contemplando aquela maravilha.

Excursionistas. Demócrito de Castro e Silva à esquerda.

Tentar descrever a Paulo Afonso será tempo perdido, porque todas as palavras seriam pálidas, sem justeza. Por isso apenas consegui deixar no álbum de impressões um quase nada do muito que parecia falar dentro de mim: “A Paulo Afonso é o maior presente da Natureza ao Brasil. Pena é que a sua queda seja ainda o “choro da energia abandonada”! E foi por isso, também, que A. Austragésilo, aos escrever as suas impressões, disse: “Feliz do home que puder gozar, um dia, a grandeza na natureza brasileira representada pela bela, formidável e indômita Cachoeira de Paulo Afonso”. E Castro Alves, em 1876, cantou-a, em oitavas camonianas, com a grandeza da sua poesia e o segredo sublime de suas formosas rimas:

“A Cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!

A brica colossal dos elementos

As garras do centauro em paroxismo

Raspando os flancos dos parcéis sangrentos

Relutantes na dor do cataclismo,

Os braços do gigante suarentos,

Aguentando o ranger (espando! Assombro!)

O rio inteiro que lhe cai no ombro!”

 

***   ***

Que bom seria que a todos os brasileiros fosse fácil contemplar esta maravilha que nos pertence!

Se os matadores de Delmiro Gouveia tivessem sabido admirar a Cachoeira de Paulo Afonso, não lhe teriam assestado os rifles, porque haviam de ver naquele homem que descansava numa rede, no alpendre, um novo Titã, alterando o próprio curso dos rios, dominando a natureza para levar água às bocas sequiosas e às plantações crestadas pelo sol.

Quem visitar Paulo Afonso há de compreender as palavras do Cônego Luiz Barbosa: - “Nunca vi Deus falar tão alto como na Cachoeira de Paulo Afonso”

***   ***   ***

 

Transcrito da revista VIDA DOMÉSTICA, Rio de Janeiro, Janeiro de 1944.

***   ***

Caro leitor,

Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

 



[i]


Demócrito DE CASTRO E SILVA: Nasceu em Cruz do Espírito Santo, Estado da Paraíba, em 18 de setembro de 1913. Filho de Francisco Antônio da Silva e de Thereza da Silva Castro. A 5 de setembro de 1936, casou-se, em João Pessoa-PB, com Heloisa Machado de Castro e Silva, com quem teve os filhos Telmo de Castro e Silva e Tânia Maria.

Estudou na capital do Estado, no Colégio Diocesano pio X e no Lyceu Paraibano, bacharelando-se em Direito pela Faculdade do Recife, em 1946. Ainda, no Lyceu, De Castro e Silva iniciou a sua carreira literária; fundou as Revistas O Álbum e Mocidade, revistas que eram redigidas e datilografadas por ele mesmo e impressas nas oficinas do Jornal A Imprensa. Exerceu a advocacia por algum tempo em João Pessoa, depois, transferiu-se para São Paulo, onde manteve o seu escritório de advocacia até se aposentar, mantendo, também, as suas atividades literárias. Escrevia, regularmente, nos jornais A Imprensa e A União, colaborava com freqüência em jornais e revistas de outros Estados. Escreveu nas Revistas Vida Doméstica. Beira-Mar, Gazeta De Notícias, A Nação, Fru-fru e Revista da Semana, do Rio de Janeiro; Revista O Globo, de Porto Alegre Correio do Povo de Curitiba; Literatura e Arte, de Sérgio Millet, de São Paulo; A Gazeta, de São Paulo; O Triângulo, I de Uberaba. Militou, ainda, na imprensa de Maceió, Goiás, Maranhão, Bahia e Pernambuco e em La Vie Politique et literaire, de Bucarest, Rumênia. Ele era poeta, romancista, contista e ensaísta. Ingressou na Academia Paraibana de Letras em 10 de setembro de 1949, sendo recepcionado pelo acadêmico Durwal Albuquerque. Trabalhos de sua autoria: Ritmos estranhos; Esse colosso, o Brasil; Augusto dos Anjos- poeta da morte e da melancolia; Quatro séculos de poesia; Classe média (duas edições); Maciel Pinheiro-peregrino audaz(discurso de posse na APL); Augusto dos Anjos- o poeta e o homem; O arado e o gafanhoto; Poemas da terra e do homem; Do bicho papão ao lobisomem. Em elaboração: Os contos de Miquelina; Da importância política social e econômica da classe média. Faleceu em São Paulo a (?) Fonte: https://novo.aplpb.com.br/academia/academicos/cadeiras-21-a-30/195-n-22-fundador-democrito-de-castro-e-silva- Site da Academia Paraibana de Letras.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia