Por Etevaldo Amorim
Imagino-me na promissora Vila do
Pão de Açúcar, naquele distante ano de 1877, a ler a edição do Jornal do Penedo,
de 22 de junho. Ali estava uma das cartas do correspondente Aristarcho, cujo
nome verdadeiro muito gostaria de saber.
Escrevendo no dia 6 daquele mês e
ano, o competente missivista relata um episódio que, embora grave, revela-se um
tanto burlesco. O fato se deu na Rua do Meio, atual Bráulio Cavalcante. Diz ele
com riqueza de detalhes:
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Rua do Meio, Pão de Açúcar, 1869. Foto: Abílio Coutinho. |
“No dia de domingo, vinte do mês
de maio próximo passado, na ocasião em que acabava-se de ouvir a Missa
Conventual, presenciamos nesta Vila uma cena bem repugnante e imoral para os
nossos dias.
Quando todos saíamos do Templo do
Senhor, vimos com espanto o seguinte e terrível quadro:
José Gonçalves de Tal, na posse
de uma formidável faca em punho, corria escandalosamente pela Rua do Comércio[i],
vindo já do Tororó, nas pegadas de Luiz Bengo, que não menos corria como um viado,
gritando socorro para não ser vítima de tão audaz turbulento, o qual conseguiu
ainda dar-lhe uma facada no braço, quando ia se aproximando em confrontação à
porta do Sr. Soares Pinto, onde chegando diversas pessoas, fizeram cessar
semelhante barbaridade.
Compareceu também, imediatamente,
o Subdelegado José Cyriaco[ii],
que em flagrante capturou-o; e daí, com a maior ingenuidade, entregou-se à
prisão, como se não fora aquele que, a poucos momentos, ia em procura de
praticar um assassinato!
Não estamos informados, ao certo,
da razão que deu lugar a esses valentões terem andado em tal brinquedo, porém o
que sabemos com certeza é que o tal José Gonçalves é um rapazola fragalheiro[iii],
de maus procedentes, irmão do bem conhecido Antônio Gringuindim, que como este
queria agora mandar um portador à sua custa para o outro mundo.
Luiz Bengo também é muito
conhecido nesta Vila, pelas suas façanhas. É homem que somente vive de jogos
ilícitos, iludindo a quantos matutos lhe apareçam para, por meio de seu mágico
baralho, fazer o dinheiro do pobre papalvo passar-se telegraficamente para sua
algibeira, tendo como consequência matemática o matuto perder os cobres e às
vezes apanhar e ir preso.
Portanto, muito desejaríamos que,
pelos meios legais, se fizessem corrigir a tais cancros venenosos, que, além de
serem escolas de perdição, defraudam e aniquilam por meio do estelionato a
alguns pais de família de nosso centro, que por encantos, têm a infelicidade de
se deixarem iludir por estes e outros que infelizmente aqui existem, em
companhias, resultando às vezes desordens e conflitos como já temos
presenciado.”
*** ***
Desde antes, e de lá para cá, com
certeza muitos outros fatos como este se desenrolaram. Voltaremos a qualquer
momento, como repórteres desses tempos passados, a perscrutar os jornais de
diferentes épocas, dando a conhecer aos leitores esses pequenos episódios da
nossa terra.
*** ***
NOTA:
Caro leitor,
Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”,
constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens
são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da
competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso
sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso
tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de
autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.
[i]
Atual Avenida Bráulio Cavalcante.
[ii]
JOSÉ CYRIACO DE ASSIS FILHO, nomeado por Ato de 15 de fevereiro de 1876, do
Presidente da Província de Alagoas, em substituição a JOSÉ LINO DAS VIRGENS,
que pedira exoneração. Fonte: Jornal do Penedo, 8 de março de 1876.
[iii]
O mesmo que ‘frangalheiro”, que se veste com frangalhos, farrapos.
Até que era interessante de vez enquanto um alvoroço e correria para quebrar a sisudez de uma pequena vila do século XIX
ResponderExcluirAchei o linguajar empregado bem parecido com o de alguns repórteres policiais atuais. Interessante texto
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