quinta-feira, dezembro 25

A MALFADADA CANOA PALESTINA

 

Por Etevaldo Amorim


Canoa de tolda carregada de lenha (tonelada). Foto: Edgar de Cerqueira Falcão, 1939.

Há pessoas ou coisas que, por razões que não sabemos, são fadadas ao infortúnio. Um ponto comercial que não progride, independentemente do ramo de atividade ou do seu proprietário; veículo que frequentemente se envolve em acidente; indivíduo suscetível a se envolver em situações difíceis e inusitadas; e outras tantas circunstâncias em que o azar parece predominar, conduzindo tudo ao maior fracasso.


É precisamente o caso de uma canoa chamada “Palestina”, do porto de Pão de Açúcar. Segundo o escritor pão-de-açucarense Gervásio Francisco dos Santos, em seu livro UM LUGAR NO PASSADO, eram duas as embarcações com esse nome, ambas de propriedade do Sr. Ananias: a Primeira Palestina e a Segunda Palestina.


Segundo Aldemar de Mendonça, no dia 6 de janeiro de 1929, nas proximidades da serra da Tabanga, defronte a cidade de Traipu, afundou-se a canoa “Palestina” do Sr. Ananias de Tal, falecendo uma pessoa.


Já no dia 13 de outubro de 1943, contrariando o ditado que diz que “o raio não cai duas vezes no mesmo lugar”, outro desastre se deu, no mesmo local, desta feita com a canoa “Segunda Palestina”.[i]


A canoa saíra do porto de Pão de Açúcar no dia 12, às 19:00 horas, horário propício para a navegação rio abaixo, quando o vendo abranda. Viajou toda a noite sem novidade. Ao meio-dia, entretanto, ao bordejar junto à Tabanga, famosa pelos ventos fortes e irregulares, a canoa virou, submergindo.


Diz a reportagem do jornal Gazeta de Alagoas, de 16 de outubro de 1943:


“A Tabanga é uma alta serra que se recorta soberbamente em frente à referida cidade alagoana. Ali a profundidade do rio é de 90 pés. A embarcação fluvial trazia carregamento de toneladas e, decerto, a uma virada mais forte, as águas invadiram o seu interior.”


Das vinte e duas pessoas a bordo (entre tripulantes e passageiros), sete pereceram, sendo cinco mulheres e dois homens.


Entre os passageiros estava o Sr. Mário de Mendonça Mendes, ex-prefeito de Marechal Floriano[ii] e então prefeito de Traipu[iii]. Ele regressava de uma reunião de prefeitos e autoridades do cooperativismo. Salvou-se milagrosamente, reagindo contra a impetuosidade das águas, pois não sabia nadar.


A reportagem conclui:


“O povo de Traipu prestou todos os possíveis auxílios de salvamento, notando-se a atuação dos Srs. José Matos, Suplente de Delegado de Polícia; José Teodoro, Guarda Sanitário; e Dr. Zaneli do Couto Malta[iv], Promotor Público.”

__ 


Anos depois, em 1949, o nome do ex-prefeito de Traipu Mário Mendes aparece entre as vítimas fatais das fortes chuvas que se abateram sobre Maceió.[v] Iniciando na noite da segunda-feira, 16 de maio de 1949, em plena semana santa, as chuvas caíram por 70 horas ininterruptas até que, na madrugada da quinta-feira, 19 de maio, Maceió foi atingida por uma das suas maiores tragédias. Mário Mendes, sua esposa, sra. Doralice Barros Mendes, e cinco filhos menores, Mariuze, Verônica, Marize, Viviane e Mário Ney, foram soterradas.[vi]

O Sr. Mário Mendes. Foto: Gazeta de Alagoas.


___


Alguém por certo diria: era seu destino morrer sob as águas. Sobreviveu ao naufrágio no rio São Francisco, mas sucumbiu às chuvas torrenciais da tragédia de 1949, em Maceió.

___

NOTA:

 

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

 



[i] Fonte: jornal A Noite, RJ, 19 de outubro de 1943.

[ii] Marechal Floriano Peixoto. Denominação do município de Piranhas, imposta pelo Decreto-Lei Federal nº 1686, de 17/10/1939, assim permanecendo até o advento da Lei nº 1473, de 17/09/1949, que lhe restituiu o antigo nome.

[iii] Mário de Mendonça Mendes, nomeado prefeito de Traipu pelo Interventor Federal Ismar de Góis Monteiro, em substituição ao prefeito Gonçalo de Menezes Tavares. Prestou juramento em 18 de setembro de 1943. Fonte: Diário de Notícias (RJ), 12 de setembro de 1943. Era jornalista e caixa da Caixa de Crédito Agrícola de Alagoas. Filho de Manoel Ferreira Mendes e Rosa Cândida de Mendonça.

[iv] Dr. Zaneli do Couto Malta, filho do ex-governador de Alagoas Joaquim Paulo Vieira Malta e de Zelina Rodrigues do Couto (irmã do fotógrafo Zenóbio Rodrigues do Couto, autor da famosa foto dos revoltosos do Forte de Copacabana, em 1922).

[v] Gazeta de Alagoas, 20 de maio de 1943.

[vi] PINTO, Edberto Ticianeli. A cabeça d’água de 1949 em Maceió. Site História de Alagoas, 24 de maio de 2015.

2 comentários:

  1. Mais um fato histórico do passado nos é singelamente revelado de forma a compreendermos como aconteceu ,onde e em quais circunstâncias ?!

    ResponderExcluir
  2. Interessante, curioso (por duas vezes, e no mesmo ponto geográfico) e trágico fato.

    ResponderExcluir

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

PUBLICAÇÕES
Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia