segunda-feira, 31 de outubro de 2022

O BICHO DO CAJUEIRO GRANDE

 

Conto de W. Batinga de Mendonça[i]

Penedo. Fonte:Arquivo Nacional


Corria o ano de 1906. O Cajueiro Grande não era ainda esse aprazível bairro que hoje constitui a melhor zona de moradia de Penedo. Poucas eram as casas. O mato crescia exuberantemente pelas ruas.

Na hoje Praça Joaquim Távora, nas proximidades da igreja do Senhor dos Pobres, erguia-se uma casinha mal coberta de palha de ouricuri que abundava por traz do cemitério. Nela morava o velho Mané Gomes, caboclo decidido que de nada jamais de arreceiou.

Correu um rumor entre os poucos habitantes da zona de que um “bicho” andava aparecendo pelo Cajueiro Grande, fazendo arruaças com quantos notívagos lá aparecessem.

Houve, mesmo, quem o tivesse visto. O João da Rocinha, que tinha uma filha, moçoila dos seus vinte anos bem sabidos, vira-o uma vez, através de uma fresta da porta, atravessar pela frente de sua casa. Era alto, envolto em comprido roupão preto, com olhos luzidios como brasas, e longas unhas. Assim o vira o João da Rocinha.

O Mané Gomes ouvira o povo falar do “bicho” e ficara a rir, com um riso seu, malicioso. Era ele velho conhecedor da vida. Experimentado...

Os moradores entenderam de pegar o “bicho”. Dias e dias esperaram: ele não aparecia, porém. O Mané Gomes via todo esse trabalho e ficava em sua porta até alta noite, puxando seu pito de barro.

Passaram-se os dias, e o “bicho”, que não aparecia, foi sendo esquecido.

Após as noites de escuro, quando a lua majestosa reinava no céu, uma vez em que estava o velho Gomes a fumar seu cachimbo, viu um vulto ao longe surgir, devagar, devagarinho, e parar no tradicional Cajueiro que deu seu nome ao bairro. Dali, esgueirando-se pelos matos, ele chegou até a parede da igrejinha, e de lá, acocorado, soltou um assobio forte que estrilou no silêncio da noite.

Mané Gomes, que entrara em casa, arrodeou pelo mata-pasto do cemitério com uma corda na mão, e se foi aproximando, lentamente, da igreja.

Novo assobio cortou os ares. Desta vez, na porta da casa de João da Rocinha, uma luzinha apontou e depois desapareceu. Mané Gomes compreendeu. Era a filha do João. Este tinha ido para sua roça à tardinha, e só chegaria no dia seguinte, à tarde. A filha ficara em casa com a velha que estava a dormir profundamente, no momento.

O Gomes deu uma volta, ainda com a corda na mão, e se pôs no oitão da casa do João da Rocinha.

Era tempo. Assim que lá chegou, o “bicho” foi se aproximando, e quando ia a entrar na casa, sentiu uma corda a passar-lhe no pescoço. Com o susto, caiu! Um vulto surgiu, e amarrou-lhe as mãos, os pés, as pernas e, lentamente, à luz da lua, arrancou o pano preto que o “bicho” tinha no rosto. Soltou depois uma gargalhada forte, que estrugiu na noite. A porta onde ia o “bicho” a entrar, já se fechara e Mané Gomes ouviu uma voz que rezava.

Finalmente chegou o dia.

O primeiro passante notou, ao pé do Cajueiro, qualquer coisa amarrada e para lá se dirigiu. Outro chegou, mais outro. E a roda foi crescendo, aumentando. Todos conheceram o “bicho” que assustava os moradores locais.

Um deles, enfim, resolve tirar a limpo o mistério. E arranca-lhe a máscara do rosto. A ansiedade foi geral. Um silêncio envolveu a todos como se se tratasse do ato mais solene que já houvessem presenciado.

Ao cair a máscara, uma exclamação surda rompeu o silêncio. Era um comerciante. Honrado. Probo. E cuja cabeça já estava envolta na auréola branca da velhice.

Quando chegou da roça, o João da Rocinha teve uma longa conversa com o Mané Gomes e no dia seguinte arribou viagem rio abaixo para a Ilha dos Bois.

Nunca mais apareceu bicho no Cajueiro Grande...

 

Transcrito da revista O Macho, Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1935.

Caro leitor,

 

Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] WALDYR BATINGA DE MENDONÇA. Professor, funcionário do IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Nasceu em Penedo no dia 24 de agosto de 1909. Filho de Fernando de Mendonça e Cecília Batinga de Mendonça, professora na Escola do Oiteiro e no Grupo Escolar Gabino Besouro, em Penedo-AL. Casado com Maria Lôbo Barreto, conhecida por “Moreninha”. Seus avós paternos eram: José Francisco de Mendonça (natural de Quebrangulo-AL) e Theolinda Olympia de Mendonça. Os maternos: José Vicente de Araújo Batinga e Joana Angélica Machado Batinga. Foi fundador, juntamente com João Evangelista Cajueiro, do Centro Penedense de Letras.  Obra: Jonas Batinga: O Poeta de PenedoRio de Janeiro: Edições Batinga, III, 1988.

 

2 comentários:

  1. Excelente conto. Mais um para abrilhantar e estimular o desejo pela literatura. Esta, wue nos faz viajar no espaço-tempo con graciosidade. Parabéns, confrade

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  2. Este Conto do Waldir Batinga (O BICHO DO CAJUEIRO GRANDE), identifica-se muito bem com histórias contadas em várias outras cidades e povoações do interior nordestino.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia