Por Etevaldo Amorim
A referência mais antiga ao cemitério de Pão de Açúcar talvez
se tenha verificado quando da visita do Imperador Pedro II, em 1859. Um
viajante[i]
que integrava a comitiva observou: “O cemitério é pequeno e cercado de
pedras”. Não mencionou, contudo, o local; embora já se tivesse reservado,
em terreno doado pelo Major Manoel Caetano de Aguiar Brandão[ii].
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O cemitério São Francisco de Assis. Foto: acervo de Aldemar de Mendonça, gentilmente cedida por Lygia Mendonça. |
Nas próximas décadas daquele século, já se tinha notícias de
que a construção de um cemitério na “florescente Villa” entrara na pauta
de suas principais reivindicações. Exemplo disso é a carta de um correspondente
do Jornal do Penedo, que assina pelo nome de “Emílio”, na edição de 16 de março
de 1876:
“Próxima está a reunião da Assembleia Provincial desta
Província. Por mais de uma vez se tem apontado as necessidades mais vitais
deste município, sem proveito algum. Nesse empenho se tem esforçado o jornal
desta Vila[iii]
e alguns correspondentes. Mas não seja isso razão para que eu guarde silêncio.
Cumprirei meu dever, embora clame no deserto. Infelizmente estamos com uma
crise no tesouro provincial desta Província, a ponto de andarem os pobres
empregados provinciais (de fora da Capital) tocando leques com bandurra[iv].
Todavia, não será grande sacrifício um auxílio para a conclusão da nossa
matriz, único templo que possuímos e este em estado de desabar agora com a
invernada. Também precisamos de um auxílio para a construção de um cemitério, a
fim de que se vedem os enterramentos dentro da Matriz.
Para o cemitério já existe em mão de um particular uma certa
quantia de um benefício dramático, e bem assim uma quantia superior a 700$000,
de donativos do Imperador e de particulares – na mão do Sr. André Avelino[v]
e Capitão Maia.”
Quase um ano depois, outro missivista do mesmo Jornal, em
carta de 29 de janeiro de 1877, que a subscreve com o nome de “O Católico”, diz:
“Ontem foi marcado o lugar do cemitério e deu-se princípio
ao carregamento de pedras e à escavação dos alicerces. ... Cabe aqui consignar
um voto de louvor aos habitantes da freguesia, a começar pelo Reverendíssimo
Vigário... O valioso concurso de todos ao mesmo tempo e para o mesmo fim,
satisfazendo os benéficos empenhos do Reverendo Capuchinho, faz que ele
prossiga com aquela boa vontade de quem, a cargo de uma missão elevada e
espinhosa, e cônscio do bem que promove a religião e a humanidade, sacrifica
todos os seus cômodos no altar da religião de que é digno Ministro. Tal é o que
podemos dizer do ilustre missionário Feri Cassiano, que está entre nós.”
Em Carta de 2 de março de 1877, o mesmo correspondente anuncia:
“Sobre a barra que se acha de permeio entre a Vila e o
cemitério, construiu-se uma ligeira ponte de madeira, por onde passam fácil e
sem inconvenientes povo e animais.”
Referida por Aldemar de Mendonça em seu Pão de
Açúcar-História e Efemérides, essa ponte foi construída por Frei Cassiano de
Comacchio. Edificada sobre a barra da Lagoa da Porta, era também conhecida por
“ponte de Maria Zuína”, por ser a lagoa propriedade de Maria Jesuína de
Mello Pinto.
Já o historiador Moreno Brandão, pão-de-açucarense nascido em
Entremontes, no seu artigo Corografia de Alagoas – Pão de Açúcar[vi],
assim se refere:
“Seguindo sempre para Oeste, encontra-se, posta sobre a
barra da Lagoa da Porta, uma ponte que foi erigida em 1877, sob o benigno
influxo do mesmo religioso Frei Cassiano de Camacchio[vii]. Além da ponte, para os lados do
Noroeste, num vale soturno e umbroso, fica o cemitério público, para o qual a
munificência do Imperador, quando esteve em Pão de Açúcar em 1859, deixou a
quantia de 700$.000.”
Há, entretanto, controvérsia quanto à exata quantia deixada
pelo Imperador. Relatos da viagem dão conta de que foram 600$000 (seiscentos
mil réis) mandados “entregar aos pobres”.
Segundo Relatório do Dr. José Bento da Cunha Figueiredo
Junior, Presidente da Província, em 1868, restavam ainda 200$000 (Duzentos Mil Réis) em mãos
de um cidadão local, reservados para obras de melhoria no cemitério. Essa
quantia, acrescida de 100$000 réis, doados em 1859 pelo Ministro do Império,
Conselheiro João de Almeida Pereira Filho[viii],
que compunha a comitiva imperial, além de 400$000 (Quatrocentos Mil Réis) agenciados entre pessoas
da comunidade, estavam destinados para “aplicação no mesmo fim”. “No
entanto – diz ainda o Relatório – nada ainda se iniciou para se levar a efeito
uma das obras de primeira necessidade e interesse público daquele município.”
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Na Sexta-feira Santa do ano de 1877, que caiu no dia 30 de
março, fez-se enorme procissão, que contou com mais de quatro mil pessoas,
conduzindo a cruz que foi colocada no cemitério, tendo Frei Cassiano concedido
a sua bênção.
No dia 4 de abril o mesmo religioso proferiu a bênção do
cemitério, cuja cerimônia contou com a presença de grande número de fiéis.
Sob o tema sic transit gloria mundi (assim passa a glória
do mundo), diz o correspondente, “o ilustrado capuchinho pronunciou um
memorável discurso no qual, depois de pintar com vivas cores o respeito que os
merece a morada dos que transpuseram os vestíbulos da eternidade, nos advertiu
de que, se o corpo pertence à terra, a alma pertence ao
Criador, para quem havemos voltar, reunidos ao corpo no dia final.”
Tendo que retornar ao Recife, e depois de muitos meses em Pão
de Açúcar, Frei Cassiano embarcou no dia seguinte no vapor Jequitaia, deixando
as obras do cemitério muito adiantadas, estando todo fechado com muros de 8 a 9
palmos de altura e assentada a grade do portão[ix].[x]
Após a partida de Frei Cassiano, as obras da matriz e do
cemitério ficaram a cargo do Sr. João Alves Feitosa Franco Filho[xi],
coadjuvado pelo vigário Pe. Antônio José Soares de Mendonça e pelo Sr. Joaquim
Bernardes de Souza.
Procedente da Província de Bolonha, Itália, Frei Cassiano chegou ao Recife em abril de 1872 e ali faleceu,em 1897. Mais que um pastor, foi um "tocador de obras". Em Alagoas há inúmeras obras com a marca da sua determinação.
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Frei Cassiano de Comacchio |
Por fim, em longa carta de 6 de novembro de 1877, o
correspondente Aristarcho informa que “há poucos dias foi concluído o frontispício
e caiamento do cemitério desta cidade, sob a administração do Sr. João Alves
Feitosa Franco Filho. Está feito em diversas e perfeitas pirâmides e em estilo
bonito. Serviços com os que o Sr. Alves tem prestado nas obras pias desta
cidade, tornam-se dignos de encômios. “
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Durante a gestão do prefeito Elísio Maia (1983-1988), foi
construído um novo cemitério, anexo ao antigo, em moldes modernos e de grande
extensão. Conserva-se, entretanto, a velha necrópole, repositório de memória dos
pão-de-açucarenses e símbolo do esforço e da determinação dos nossos
antepassados.
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Ofereço este breve histórico do cemitério São Francisco de
Assis ao amigo Roberto Menezes de Moraes. Livreiro, genealogista e
Sócio-Titular do Colégio Brasileiro de Genealogia, Roberto é descendente da nossa tradicional
família MORAES (de Emílio José de Moraes e seu filho, o reverendo Odilon Moraes,
que figuram entre os fundadores da Igreja Presbiteriana em Pão de Açúcar). Os Moraes
constituíram laços com as famílias Ribeiro e Damasceno, cujos membros ainda se
acham presentes na sociedade pão-de-açucarense.
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NOTA
Caro leitor,
Deste Blog, que tem como
tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações
históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em
geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica.
Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em
qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas
fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências.
Isso é correto e justo.
[i]
Trata-se de Bernardo Xavier Pinto de Souza, português naturalizado,
proprietário da Tipografia e Livraria B. X. Pinto de Souza, que se identificava
com as iniciais “P. de S.”.
[ii] Natural
de Mata Grande. Faleceu em Pão de Açúcar, aos 72 anos de idade, no dia 11 de
janeiro de 1890. Teria nascido em 1818. Era tio de Moreno Brandão por parte de
pai e avô por parte de mãe. É que o pai de Moreno Brandão (Dr. Félix Moreno
Brandão) se casou com a sobrinha Maria de Aguiar Moreno Brandão.
[iii]
Refere-se ao Jornal do Pão d’Assucar, fundado por José Venustiniano Cavalcante,
pai de Bráulio Cavalcante.
[iv]
Instrumento espanhol de seis parelhas de cordas, tocado com plectro.
[v]
André Avelino da Costa Nunes (1924-1894), pai do Cel. Manoel Afro da Costa
Nunes, que foi Intendente.
[vi]
Extraído da Coluna Estudos e Opiniões, Diário de Pernambuco, 3 de outubro de
1920, p. 2. Francisco Henrique Moreno Brandão nasceu em Pão de açúcar, a
14/09/1875 e faleceu em Maceió, a 27/08/1938.
[vii]
Procedente da Província de Bolonha, Itália, chegou ao Recife em abril de 1872,
onde faleceu em 1897.
[viii]
Nomeado por Carta Imperial de 17 de setembro de 1859. Foi Deputado Geral e
Presidente da Província do Rio de Janeiro. Filho do comendador João de Almeida
Pereira e Ana Luzia de Aguiar, nasceu em Campos dos Goitacazes em 9 de junho de
1826 e faleceu no Rio de Janeiro em 2 de julho de 1883.
[ix]
Do correspondente O Católico, Jornal do Penedo, 20 de abril de 1877.
[x] (do
correspondente que se apresenta com o nome de Aristarcho, publicado na edição
de 13 de abril de 1877).
[xi]
João Alves Feitosa Franco Filho, casado com Maria Custódia de Carvalho Pitombo.
Curioso por saber um pouco mais sobre minha ascendência, já recorri por várias vezes ao nosso cemitério São Francisco em busca de dados e datas. Sem dúvida, é uma excelente fonte. Uma pena, lamentável, registro aqui, é o estado calamitoso de sua conservação atual (o cemitério velho)
ResponderExcluirTenho que concordar. Sempre, que em visita ao jazigo dos meus entes, fica indignada pelo abandono que a cada día se alastra. Sua beleza fúnebre e personalidades históricas da cidade sendo apagada.
ExcluirSilvana Gonçalves
ExcluirAchei que faltou fazer uma referência retroagindo aos tempos imemoriais de uma Pão de Açúcar colonial, que não tinha cemitério até por volta de 1830 ou talvez mais adiante com seus sepultamentos realizados na antiga Ilha de São Pedro ,hoje reduto indígena dos Xokós, interior de Porto da Folha, Sergipe
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