terça-feira, agosto 26

O CEMITÉRIO VELHO DE PÃO DE AÇÚCAR

 

Por Etevaldo Amorim


A referência mais antiga ao cemitério de Pão de Açúcar talvez se tenha verificado quando da visita do Imperador Pedro II, em 1859. Um viajante[i] que integrava a comitiva observou: “O cemitério é pequeno e cercado de pedras”. Não mencionou, contudo, o local; embora já se tivesse reservado, em terreno doado pelo Major Manoel Caetano de Aguiar Brandão[ii].


O cemitério São Francisco de Assis. Foto: acervo de Aldemar de Mendonça, gentilmente cedida por Lygia Mendonça.


Nas próximas décadas daquele século, já se tinha notícias de que a construção de um cemitério na “florescente Villa” entrara na pauta de suas principais reivindicações. Exemplo disso é a carta de um correspondente do Jornal do Penedo, que assina pelo nome de “Emílio”, na edição de 16 de março de 1876:


Próxima está a reunião da Assembleia Provincial desta Província. Por mais de uma vez se tem apontado as necessidades mais vitais deste município, sem proveito algum. Nesse empenho se tem esforçado o jornal desta Vila[iii] e alguns correspondentes. Mas não seja isso razão para que eu guarde silêncio. Cumprirei meu dever, embora clame no deserto. Infelizmente estamos com uma crise no tesouro provincial desta Província, a ponto de andarem os pobres empregados provinciais (de fora da Capital) tocando leques com bandurra[iv]. Todavia, não será grande sacrifício um auxílio para a conclusão da nossa matriz, único templo que possuímos e este em estado de desabar agora com a invernada. Também precisamos de um auxílio para a construção de um cemitério, a fim de que se vedem os enterramentos dentro da Matriz.


Para o cemitério já existe em mão de um particular uma certa quantia de um benefício dramático, e bem assim uma quantia superior a 700$000, de donativos do Imperador e de particulares – na mão do Sr. André Avelino[v] e Capitão Maia.”


Quase um ano depois, outro missivista do mesmo Jornal, em carta de 29 de janeiro de 1877, que a subscreve com o nome de “O Católico”, diz:


Ontem foi marcado o lugar do cemitério e deu-se princípio ao carregamento de pedras e à escavação dos alicerces. ... Cabe aqui consignar um voto de louvor aos habitantes da freguesia, a começar pelo Reverendíssimo Vigário... O valioso concurso de todos ao mesmo tempo e para o mesmo fim, satisfazendo os benéficos empenhos do Reverendo Capuchinho, faz que ele prossiga com aquela boa vontade de quem, a cargo de uma missão elevada e espinhosa, e cônscio do bem que promove a religião e a humanidade, sacrifica todos os seus cômodos no altar da religião de que é digno Ministro. Tal é o que podemos dizer do ilustre missionário Feri Cassiano, que está entre nós.”


Em Carta de 2 de março de 1877, o mesmo correspondente anuncia:


Sobre a barra que se acha de permeio entre a Vila e o cemitério, construiu-se uma ligeira ponte de madeira, por onde passam fácil e sem inconvenientes povo e animais.”


Referida por Aldemar de Mendonça em seu Pão de Açúcar-História e Efemérides, essa ponte foi construída por Frei Cassiano de Comacchio. Edificada sobre a barra da Lagoa da Porta, era também conhecida por “ponte de Maria Zuína”, por ser a lagoa propriedade de Maria Jesuína de Mello Pinto.


Já o historiador Moreno Brandão, pão-de-açucarense nascido em Entremontes, no seu artigo Corografia de Alagoas – Pão de Açúcar[vi], assim se refere:


Seguindo sempre para Oeste, encontra-se, posta sobre a barra da Lagoa da Porta, uma ponte que foi erigida em 1877, sob o benigno influxo do mesmo religioso Frei Cassiano de Camacchio[vii]. Além da ponte, para os lados do Noroeste, num vale soturno e umbroso, fica o cemitério público, para o qual a munificência do Imperador, quando esteve em Pão de Açúcar em 1859, deixou a quantia de 700$.000.


Há, entretanto, controvérsia quanto à exata quantia deixada pelo Imperador. Relatos da viagem dão conta de que foram 600$000 (seiscentos mil réis) mandados “entregar aos pobres”.


Segundo Relatório do Dr. José Bento da Cunha Figueiredo Junior, Presidente da Província, em 1868, restavam ainda 200$000 (Duzentos Mil Réis) em mãos de um cidadão local, reservados para obras de melhoria no cemitério. Essa quantia, acrescida de 100$000 réis, doados em 1859 pelo Ministro do Império, Conselheiro João de Almeida Pereira Filho[viii], que compunha a comitiva imperial, além de 400$000 (Quatrocentos Mil Réis) agenciados entre pessoas da comunidade, estavam destinados para “aplicação no mesmo fim”. “No entanto – diz ainda o Relatório – nada ainda se iniciou para se levar a efeito uma das obras de primeira necessidade e interesse público daquele município.”


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Na Sexta-feira Santa do ano de 1877, que caiu no dia 30 de março, fez-se enorme procissão, que contou com mais de quatro mil pessoas, conduzindo a cruz que foi colocada no cemitério, tendo Frei Cassiano concedido a sua bênção.


No dia 4 de abril o mesmo religioso proferiu a bênção do cemitério, cuja cerimônia contou com a presença de grande número de fiéis.


Sob o tema sic transit gloria mundi (assim passa a glória do mundo), diz o correspondente, “o ilustrado capuchinho pronunciou um memorável discurso no qual, depois de pintar com vivas cores o respeito que os merece a morada dos que transpuseram os vestíbulos da eternidade, nos advertiu de que, se o corpo pertence à terra, a alma pertence ao Criador, para quem havemos voltar, reunidos ao corpo no dia final.”


Tendo que retornar ao Recife, e depois de muitos meses em Pão de Açúcar, Frei Cassiano embarcou no dia seguinte no vapor Jequitaia, deixando as obras do cemitério muito adiantadas, estando todo fechado com muros de 8 a 9 palmos de altura e assentada a grade do portão[ix].[x]


Após a partida de Frei Cassiano, as obras da matriz e do cemitério ficaram a cargo do Sr. João Alves Feitosa Franco Filho[xi], coadjuvado pelo vigário Pe. Antônio José Soares de Mendonça e pelo Sr. Joaquim Bernardes de Souza.


Procedente da Província de Bolonha, Itália, Frei Cassiano chegou ao Recife em abril de 1872 e ali faleceu,em 1897. Mais que um pastor, foi um "tocador de obras". Em Alagoas há inúmeras obras com a marca da sua determinação.


Frei Cassiano de Comacchio


Por fim, em longa carta de 6 de novembro de 1877, o correspondente Aristarcho informa que “há poucos dias foi concluído o frontispício e caiamento do cemitério desta cidade, sob a administração do Sr. João Alves Feitosa Franco Filho. Está feito em diversas e perfeitas pirâmides e em estilo bonito. Serviços com os que o Sr. Alves tem prestado nas obras pias desta cidade, tornam-se dignos de encômios. “

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Durante a gestão do prefeito Elísio Maia (1983-1988), foi construído um novo cemitério, anexo ao antigo, em moldes modernos e de grande extensão. Conserva-se, entretanto, a velha necrópole, repositório de memória dos pão-de-açucarenses e símbolo do esforço e da determinação dos nossos antepassados.

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Ofereço este breve histórico do cemitério São Francisco de Assis ao amigo Roberto Menezes de Moraes. Livreiro, genealogista e Sócio-Titular do Colégio Brasileiro de Genealogia, Roberto é descendente da nossa tradicional família MORAES (de Emílio José de Moraes e seu filho, o reverendo Odilon Moraes, que figuram entre os fundadores da Igreja Presbiteriana em Pão de Açúcar). Os Moraes constituíram laços com as famílias Ribeiro e Damasceno, cujos membros ainda se acham presentes na sociedade pão-de-açucarense.

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NOTA


Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Trata-se de Bernardo Xavier Pinto de Souza, português naturalizado, proprietário da Tipografia e Livraria B. X. Pinto de Souza, que se identificava com as iniciais “P. de S.”.

[ii] Natural de Mata Grande. Faleceu em Pão de Açúcar, aos 72 anos de idade, no dia 11 de janeiro de 1890. Teria nascido em 1818. Era tio de Moreno Brandão por parte de pai e avô por parte de mãe. É que o pai de Moreno Brandão (Dr. Félix Moreno Brandão) se casou com a sobrinha Maria de Aguiar Moreno Brandão.

[iii] Refere-se ao Jornal do Pão d’Assucar, fundado por José Venustiniano Cavalcante, pai de Bráulio Cavalcante.

[iv] Instrumento espanhol de seis parelhas de cordas, tocado com plectro.

[v] André Avelino da Costa Nunes (1924-1894), pai do Cel. Manoel Afro da Costa Nunes, que foi Intendente.

[vi] Extraído da Coluna Estudos e Opiniões, Diário de Pernambuco, 3 de outubro de 1920, p. 2. Francisco Henrique Moreno Brandão nasceu em Pão de açúcar, a 14/09/1875 e faleceu em Maceió, a 27/08/1938.

[vii] Procedente da Província de Bolonha, Itália, chegou ao Recife em abril de 1872, onde faleceu em 1897.

[viii] Nomeado por Carta Imperial de 17 de setembro de 1859. Foi Deputado Geral e Presidente da Província do Rio de Janeiro. Filho do comendador João de Almeida Pereira e Ana Luzia de Aguiar, nasceu em Campos dos Goitacazes em 9 de junho de 1826 e faleceu no Rio de Janeiro em 2 de julho de 1883.

[ix] Do correspondente O Católico, Jornal do Penedo, 20 de abril de 1877.

[x] (do correspondente que se apresenta com o nome de Aristarcho, publicado na edição de 13 de abril de 1877).

[xi] João Alves Feitosa Franco Filho, casado com Maria Custódia de Carvalho Pitombo.

4 comentários:

  1. Curioso por saber um pouco mais sobre minha ascendência, já recorri por várias vezes ao nosso cemitério São Francisco em busca de dados e datas. Sem dúvida, é uma excelente fonte. Uma pena, lamentável, registro aqui, é o estado calamitoso de sua conservação atual (o cemitério velho)

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    1. Tenho que concordar. Sempre, que em visita ao jazigo dos meus entes, fica indignada pelo abandono que a cada día se alastra. Sua beleza fúnebre e personalidades históricas da cidade sendo apagada.

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    2. Silvana Gonçalves

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  2. Achei que faltou fazer uma referência retroagindo aos tempos imemoriais de uma Pão de Açúcar colonial, que não tinha cemitério até por volta de 1830 ou talvez mais adiante com seus sepultamentos realizados na antiga Ilha de São Pedro ,hoje reduto indígena dos Xokós, interior de Porto da Folha, Sergipe

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia