Por Bráulio Cavalcante[i]
(Ao provecto educador Domingos Feitosa)
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| Bráulio Cavalcante |
Ainda
hoje temos ocasião de observar, se bem que com menor intensidade, fenômenos
como aqueles que deram lugar, outrora, a tantas modificações na crosta do
globo...
Devido
à influência de agentes como o ar, a água e o calor central da terra – nós aí
as vemos, seja por meio das águas no seu admirável movimento de circulação,
seja por meio do ar, agindo de modo exterior, sobre o envoltório terrestre;
seja por meio do calor central do globo, saindo raivoso pelos vulcões,
permanentemente, pelos fumeiros como sucede em Ischia, (perto de Nápoles) –
lentamente pelas sulfureiras da Sicília e Pauzzoles, ou ainda por essas
emanações de ácido carbônico, constituindo as mofetas, o mais baixo grau de
atividade vulcânica.
Estes
como as geleiras, os tremores de terra, os geisers, são fenômenos que
observamos em tempos nossos, modificando o aspecto da superfície do globo: tudo
isso, porém, agindo lentamente já sem mais aquele arrojo dos fenômenos
geológicos antigos, que agiram sobre a formação do mundo, dando-lhe,
finalmente, o seu moderno relevo. Isto podia ser por meio de correntes
vastíssimas, a corroer as rochas, formando os deltas, cavando os vales; pela
chuva diluviana e num tenebroso período glacial, desmanchando, achatando até
reduzir a grandes superfícies de gelo os maiores continentes; pelos choques
universais da esfera, mugidos de terremotos, ao ímpeto do calor central; pelas
montanhas que se levantavam no meio dessa luta grandiosa, desse movimento
terrível, onde a vida começava a agitar e progredir...
Como
nós sabemos, o globo, depois de seu estado de incandescente fusão, e depois de
ter resfriado pouco a pouco e criado esse envoltório de rochas cristalinas, já
possuindo a mais antiga rocha – o granito em massas imensas – passava naqueles
tempos por maravilhosos, admiráveis fenômenos!
Sabemos
que, depois da solidificação do granito, aparecem rochas granitoides
cristalizadas, de aspecto chistoso, e – como diz Langlebert[ii]
– “as rochas cristalofilicas, gneiss e micaxistos, superpostas ao granito, a
cada instante deslocadas pela retração da crosta primitiva que se resfria,
assim como pelas incessantes erupções vulcânicas, apresentam inúmeras roturas,
travejamentos, superfícies torcidas pela ação do calor.”
Este
conjunto de rochas cristalizadas, compactas e chistosas – como diz o citado
naturalista – formam o rolo primitivo azoico. E nós ainda temos ciência dos
fenômenos diluvianos e glaciais que assinalaram os tempos quaternários que –
como dizem os sábios, - se confundem coma a época geológica atual.
Neste
período ocasionado por um resfriamento geral do globo terrestre, que a ciência
não tem podido ainda explicar – “as torrentes correndo então sobre uma grande
largura, com uma corrente de força prodigiosa, arrancavam, escavavam,
esbarrancavam tudo em sua passagem, criando os atuais vales – cujos principais
rios ocupam apenas pequena parte. ”
*** ***
Hoje,
porém, já não vemos fenômenos tão extraordinários como os daqueles
antiquíssimos tempos do próprio solo primitivo azoico... Restam, entanto,
agentes diversos – o ar, a água e o calor central do globo – modificando
lentamente a crosta da espera; resta a ação do ar formando as dunas em costas
de Holanda, Flandres, Golfo Gasconha; a ação destrutiva da água doce,
desagregando, decompondo as rochas em fragmentos pela ação mecânica ou química;
a água do mar ainda por sua vez tem, aos olhos do observador, “o choque das
vagas contra as falerias cretáceas ou as rochas graniticasda costa”; e o calor
centrar vai flagelando por meio de contínuas erupções vulcânicas na bela pátria
de Dante...
-
Pois, bem; ainda não é só isso...
Agora
o rio S. Francisco, o “mediterrâneo brasileiro”, e que, segundo Dr.
Thomás do Bomfim Espíndola, “se não oferece aos olhos do observador as
paisagens deslumbrantes do Reno, as possui que não deixam de ser assaz
pitorescas” o majestoso rio S. Francisco, um dos maiores do Brasil, acaba
de inundar com arrojo e impetuosidade, em Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e
Sergipe – praias, cidades, florestas, trazendo no dorso os troncos e os
nimbos...
É,
pois, essa artéria enorme que ali vem desabrochando no coração da “Canastra” e
que se precipita em Casca de Anta, de 1.000 pés de altura, conforme von Eschwege[iii],
em rio que recebe tão grande número de afluentes, oferecendo aos olhos do
observador belezas extraordinárias, quadros de pomposo colorido – como seja
aquele em que toda essa mole imensa de água vem rolar, num formidável estrondo,
como um começo de terremoto, no calcário de Paulo Afonso; é, finalmente esse
rio, que aí vem rolando, arfando, com uma soberba, prodigiosa e terrível...
Com
uma velocidade de 7 milhas por hora, com uma corrente de força impetuosíssima,
que não fará esse gigante, que (dizem os historiadores), os olhos de Duarte
Coelho Pereira foram descobrir aos 10 de outubro de 1522 a 1525, - dia de São
Francisco de Borja?
Que
não fará esse mesmo arrojado de 1780, quando suas águas – segundo ilustre
geógrafo – subiram 20 pés acima do álveo? E agora, planícies verdejantes e
belas, estendendo-se nas sus adjacências, povoações de viver tão agradável e
poético; casinhas de homens pobres; porém, que eram verdadeiramente felizes,
tudo essa onda colossal, de mais de 400 léguas, barrenta, alaga prodigiosa e
cruel!
E
triste, muito triste, recordando de todos esses quadros que me enchiam de tanta
suavidade e poesia os primeiros tempos – eu aqui fico a me lembrar de Januária
lá no sertão do velho Estado de Tiradentes, e Piranhas e Pão de Açúcar, de
viver tão agradável e sereno! ...
Acordam-se, despertam-se depois a me doer dentro d’alma, desdobrando-se em pensamentos tenebrosos – senas de aflição, desespero – em que famílias inteiras fogem à impetuosidade das ondas, abandonando o que de mais caro tinha na vida! ...
... ...
... ...
Assim
é que me vou lembrando dos versos do poeta náufrago da “Vile de Bourgogne”[iv]:
Os
troncos arrancados
Sem
rumo vão leviantes;
E
os tetos arrancados
Inteiros,
flutuantes,
Dão
antes crua morte
Que
asilo e proteção!
9
de março de 1906.
Bráulio
Cavalcante
___ ___
Transcrito
do jornal EVOLUCIONISTA, Maceió, 14 de março de 1906.
*** ***
NOTA:
Caro
leitor,
Deste
Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de
informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita
pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência
bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse
para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior
proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a
citação das referências. Isso é correto e justo.
[i]
Bráulio Guatimozim Cavalcante. Filho do Capitão José Venustiniano Cavalcante e
de D. Maria Olympia. Nasceu em Pão de Açúcar-AL, no dia 14 de março de 1887, na
casa nº 23 da rua da Matriz (hoje Avenida Bráulio Cavalcante, nº 209). Faleceu
em 10 de março de 1912, na Praça dos Martírios, em Maceió, de um ferimento
penetrante na linha axilar posterior direita, no quarto intercostal, recebido
quando realizava um comício em prol das candidaturas do Cel. Clodoaldo da
Fonseca e do Dr. Fernandes Lima.
[ii]
Edmond-Jean-Joseph langlebert (1815-1894). Naturalista francês.
[iii]
Wilhelm Ludwig von Eschwege, também conhecido por barão de Eschwege, Guilherme
von Eschwege ou por Wilhelm Ludwig Freiherr von Eschwege, foi um geólogo,
geógrafo, arquiteto e metalurgista alemão.
[iv]
Trata-se do poeta brasileiro Gonçalves Dias morreu em um naufrágio do navio
Ville de Boulogne em 3 de novembro de 1864, próximo à vila de Guimarães, no
Maranhão, Brasil. O naufrágio ocorreu nos baixios de Atins, na Baía de Cumã.
Gonçalves Dias, já debilitado, foi esquecido em sua cabine e acabou se afogando.

Bela homenagem ao nobre conterrâneo, um estudante místico filosófico que perseguia verdade das coisas, morto covardemente ao defender seus ideais.
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