sábado, novembro 22

O RIO SÃO FRANCISCO

 

Por Bráulio Cavalcante[i]

(Ao provecto educador Domingos Feitosa)

 

Bráulio Cavalcante

Ainda hoje temos ocasião de observar, se bem que com menor intensidade, fenômenos como aqueles que deram lugar, outrora, a tantas modificações na crosta do globo...


Devido à influência de agentes como o ar, a água e o calor central da terra – nós aí as vemos, seja por meio das águas no seu admirável movimento de circulação, seja por meio do ar, agindo de modo exterior, sobre o envoltório terrestre; seja por meio do calor central do globo, saindo raivoso pelos vulcões, permanentemente, pelos fumeiros como sucede em Ischia, (perto de Nápoles) – lentamente pelas sulfureiras da Sicília e Pauzzoles, ou ainda por essas emanações de ácido carbônico, constituindo as mofetas, o mais baixo grau de atividade vulcânica.


Estes como as geleiras, os tremores de terra, os geisers, são fenômenos que observamos em tempos nossos, modificando o aspecto da superfície do globo: tudo isso, porém, agindo lentamente já sem mais aquele arrojo dos fenômenos geológicos antigos, que agiram sobre a formação do mundo, dando-lhe, finalmente, o seu moderno relevo. Isto podia ser por meio de correntes vastíssimas, a corroer as rochas, formando os deltas, cavando os vales; pela chuva diluviana e num tenebroso período glacial, desmanchando, achatando até reduzir a grandes superfícies de gelo os maiores continentes; pelos choques universais da esfera, mugidos de terremotos, ao ímpeto do calor central; pelas montanhas que se levantavam no meio dessa luta grandiosa, desse movimento terrível, onde a vida começava a agitar e progredir...


Como nós sabemos, o globo, depois de seu estado de incandescente fusão, e depois de ter resfriado pouco a pouco e criado esse envoltório de rochas cristalinas, já possuindo a mais antiga rocha – o granito em massas imensas – passava naqueles tempos por maravilhosos, admiráveis fenômenos!


Sabemos que, depois da solidificação do granito, aparecem rochas granitoides cristalizadas, de aspecto chistoso, e – como diz Langlebert[ii] – “as rochas cristalofilicas, gneiss e micaxistos, superpostas ao granito, a cada instante deslocadas pela retração da crosta primitiva que se resfria, assim como pelas incessantes erupções vulcânicas, apresentam inúmeras roturas, travejamentos, superfícies torcidas pela ação do calor.”


Este conjunto de rochas cristalizadas, compactas e chistosas – como diz o citado naturalista – formam o rolo primitivo azoico. E nós ainda temos ciência dos fenômenos diluvianos e glaciais que assinalaram os tempos quaternários que – como dizem os sábios, - se confundem coma a época geológica atual.


Neste período ocasionado por um resfriamento geral do globo terrestre, que a ciência não tem podido ainda explicar – “as torrentes correndo então sobre uma grande largura, com uma corrente de força prodigiosa, arrancavam, escavavam, esbarrancavam tudo em sua passagem, criando os atuais vales – cujos principais rios ocupam apenas pequena parte. ”


***    ***


Hoje, porém, já não vemos fenômenos tão extraordinários como os daqueles antiquíssimos tempos do próprio solo primitivo azoico... Restam, entanto, agentes diversos – o ar, a água e o calor central do globo – modificando lentamente a crosta da espera; resta a ação do ar formando as dunas em costas de Holanda, Flandres, Golfo Gasconha; a ação destrutiva da água doce, desagregando, decompondo as rochas em fragmentos pela ação mecânica ou química; a água do mar ainda por sua vez tem, aos olhos do observador, “o choque das vagas contra as falerias cretáceas ou as rochas graniticasda costa”; e o calor centrar vai flagelando por meio de contínuas erupções vulcânicas na bela pátria de Dante...


- Pois, bem; ainda não é só isso...


Agora o rio S. Francisco, o “mediterrâneo brasileiro”, e que, segundo Dr. Thomás do Bomfim Espíndola, “se não oferece aos olhos do observador as paisagens deslumbrantes do Reno, as possui que não deixam de ser assaz pitorescas” o majestoso rio S. Francisco, um dos maiores do Brasil, acaba de inundar com arrojo e impetuosidade, em Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe – praias, cidades, florestas, trazendo no dorso os troncos e os nimbos...


É, pois, essa artéria enorme que ali vem desabrochando no coração da “Canastra” e que se precipita em Casca de Anta, de 1.000 pés de altura, conforme von Eschwege[iii], em rio que recebe tão grande número de afluentes, oferecendo aos olhos do observador belezas extraordinárias, quadros de pomposo colorido – como seja aquele em que toda essa mole imensa de água vem rolar, num formidável estrondo, como um começo de terremoto, no calcário de Paulo Afonso; é, finalmente esse rio, que aí vem rolando, arfando, com uma soberba, prodigiosa e terrível...


Com uma velocidade de 7 milhas por hora, com uma corrente de força impetuosíssima, que não fará esse gigante, que (dizem os historiadores), os olhos de Duarte Coelho Pereira foram descobrir aos 10 de outubro de 1522 a 1525, - dia de São Francisco de Borja?


Que não fará esse mesmo arrojado de 1780, quando suas águas – segundo ilustre geógrafo – subiram 20 pés acima do álveo? E agora, planícies verdejantes e belas, estendendo-se nas sus adjacências, povoações de viver tão agradável e poético; casinhas de homens pobres; porém, que eram verdadeiramente felizes, tudo essa onda colossal, de mais de 400 léguas, barrenta, alaga prodigiosa e cruel!


E triste, muito triste, recordando de todos esses quadros que me enchiam de tanta suavidade e poesia os primeiros tempos – eu aqui fico a me lembrar de Januária lá no sertão do velho Estado de Tiradentes, e Piranhas e Pão de Açúcar, de viver tão agradável e sereno! ...


Acordam-se, despertam-se depois a me doer dentro d’alma, desdobrando-se em pensamentos tenebrosos – senas de aflição, desespero – em que famílias inteiras fogem à impetuosidade das ondas, abandonando o que de mais caro tinha na vida! ...


...  ...

...   ...


Assim é que me vou lembrando dos versos do poeta náufrago da “Vile de Bourgogne”[iv]:


 

Os troncos arrancados

Sem rumo vão leviantes;

E os tetos arrancados

Inteiros, flutuantes,

Dão antes crua morte

Que asilo e proteção!

 

9 de março de 1906.

 

Bráulio Cavalcante

___   ___


Transcrito do jornal EVOLUCIONISTA, Maceió, 14 de março de 1906.

 

***   ***


NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Bráulio Guatimozim Cavalcante. Filho do Capitão José Venustiniano Cavalcante e de D. Maria Olympia. Nasceu em Pão de Açúcar-AL, no dia 14 de março de 1887, na casa nº 23 da rua da Matriz (hoje Avenida Bráulio Cavalcante, nº 209). Faleceu em 10 de março de 1912, na Praça dos Martírios, em Maceió, de um ferimento penetrante na linha axilar posterior direita, no quarto intercostal, recebido quando realizava um comício em prol das candidaturas do Cel. Clodoaldo da Fonseca e do Dr. Fernandes Lima.

[ii] Edmond-Jean-Joseph langlebert (1815-1894). Naturalista francês.

[iii] Wilhelm Ludwig von Eschwege, também conhecido por barão de Eschwege, Guilherme von Eschwege ou por Wilhelm Ludwig Freiherr von Eschwege, foi um geólogo, geógrafo, arquiteto e metalurgista alemão.

[iv] Trata-se do poeta brasileiro Gonçalves Dias morreu em um naufrágio do navio Ville de Boulogne em 3 de novembro de 1864, próximo à vila de Guimarães, no Maranhão, Brasil. O naufrágio ocorreu nos baixios de Atins, na Baía de Cumã. Gonçalves Dias, já debilitado, foi esquecido em sua cabine e acabou se afogando.

Um comentário:

  1. Bela homenagem ao nobre conterrâneo, um estudante místico filosófico que perseguia verdade das coisas, morto covardemente ao defender seus ideais.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia