Por Etevaldo Amorim
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Dia de feira em Pão de Açúcar-AL. Foto: Terra das Alagoas, Adalberto Marroquim, 1916. |
Verdadeiros mercados a céu aberto, as feiras livres são
centros de negócios que se caracterizam pela comercialização de produtos
frescos e pela interação direta entre produtores e consumidores, além de serem
cruciais para a geração de emprego e renda e para o fortalecimento da
identidade cultural e sociabilidade local.
Atraindo consumidores das localidades adjacentes de Alagoas e
também do Estado de Sergipe, a nossa feira sempre foi reconhecida com uma das
melhores de todo o Baixo São Francisco. Além dos moradores do centro (interior
do município), que se deslocavam montados, em carros-de-boi ou em caminhões, os
ribeirinhos para ali acorriam viajando em canoas e lanchas.
Nas manhãs de segunda-feira, logo cedo, às 5 horas, a lancha
partia do Limoeiro, dando porto em Jacarezinho e Santiago com destino a Pão de
Açúcar. Faziam essa linha as lanchas Tupy ou Tupigy, da Empresa Fluvial Tupan
(com sede em Neópolis-SE), que desciam lá pelas 11 horas. Nos últimos anos da
década de 1980, foram substituídas por outras.
Variadíssima era a oferta de produtos, encontrando-se gêneros
alimentícios e até tecidos e calçados. Lá pelos anos 1960/70, ainda se podia
comprar: candeeiros, placas, lampiões, esteira de piripiri, panelas e outros
utensílios de barro feitos no Limoeiro, na Caiçara e na Ilha de São Pedro;
cestos, caçuás, urupemas, chapéus de palha, abanador de palha...
Não faltavam também as cordas de caroá, feitas no povoado
Mocambo (Porto da Folha-SE), fartamente utilizadas nos arreios dos panos de
canoa, tendo os mais variados empregos nas atividades do campo.
Do Limoeiro vinhas as famosas mangas, produzidas na ilha
situada entre este e o povoado Jacarezinho.
Da praia (regiões próximas ao mar, como Propriá e Penedo) chegavam
o coco e a cerâmica de barro do Carrapicho (atual Santana do São Francisco-SE):
moringas e quartinhas, cabaças, potes, jarros, alguidares; além de objetos de
brinquedo: bois, cavalos..., que entretinham a garotada. Também traziam malcasada,
pé-de-moleque (ou pé-de-nego) e outras guloseimas.
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Feira de Pão de Açúcar, década de 1970, vendo-se o conhecidíssimo comerciante José Ivanildo dos Santos (Nidinho das Quartinhas). |
Gervásio Francisco dos Santos, conterrâneo que publicou, em
1976, o livro UM LUGAR NO PASSADO, relembra os aspectos da feira lá pelos anos
1930. Diz ele que a mesma se limitava ao trecho da Av. Bráulio Cavalcante
situado entre a Igreja Matriz e a Prefeitura. No extremo do lado da igreja,
extavam expostos à venda: animais (boi,
carneiro, bode, porco, cavalo, burro e jumento); aves (peru, galinha, pato,
ganso, papagaio e periquito); frutas nativas (araçá-mirim, Ouricuri e umbu),
jenipapo, pinha, mamão, limão e caju, verduras e legumes (alface, maxixe,
quiabo, açafrão, couve, segurelha, pimenta, pimentão, tomate, hortelã, coentro,
cebola verde e berinjela), tapioca, beiju, ovos, farinha de mandioca, carne de
boi de sol (seca), animais nativos (cágado, sagui e gato selvagem).
No trecho intermediário, fronteiro ao açougue público
(atualmente Câmara de Vereadores), havia outra seção da feira, onde eram
comercializados: tamancos, sandálias, utensílios domésticos de flandres
(fabricados e vendidos por Manoel Cincinato, João Cincinato e “siá” Filomena),
açúcar, laticínios (queijo, requeijão e manteiga), corda de caroá,
fumo-de-rolo, cangalha, carne seca de animais nativos (veado, anta, caititu, tamanduá,
paca, camaleão, capivara e mocó), chocalhos, arreios para cavalo, rede,
alforge, cartucheira, gibão, sela, quinquilharia, comercializada pelos senhores
Clarismundo de Campos – Zé Gago, Nestor Brandão (Nestor de Morena Brandão) e
Antônio Ramos de Aquino.
No quadro situado defronte a Prefeitura, estava a seção de
venda de cereais (feijão, milho e arroz), frutas (manga, laranja, melancia,
abacaxi, pitomba, banana, jaca, coco, abóbora, cana-de-açúcar, covo, bolsa de
palha, cesto, rapadura, fogos, peixe (seco e fresco), sal de cozinha,
utensílios e objetos...
Nesta seção também havia pequenas barracas, cobertas com
esteira de piripiri, onde se vendia peixe frito com arroz, café com pão,
alfenim[i],
puxa-puxa, broa, coruja, quebra-queixo, cuscuz de milho e de arroz.
Não sabemos quando, exatamente, surgiu a feira livre de Pão
de Açúcar. O que podemos dizer é que sobre ela encontramos referências ao longo
do ano de 1875, em jornais do Penedo, dando a entender que já existia em data
muito mais remota.
O que é certo é que se deu, a exemplo de todas aquelas
existentes nas localidades do Baixo São Francisco, a partir de determinado
estágio de seu desenvolvimento. O crescimento populacional, a produção agrícola,
o artesanato, a localização geográfica eram fatores determinantes para o
aparecimento desses pequenos centros comerciais, para onde afluíam os moradores
das redondezas em certo dia da semana.
Aliás, a fixação de um dia da semana para o funcionamento da
feira respeitava sempre a distância entre as localidades ao longo do curso do
rio, de modo a que não se fizesse concorrência umas às outras e que fosse
permitido aos comerciantes “darem feira” em diferentes locais.
Assim, a feira de Propriá-SE era no sábado; a de São Brás, na
sexta-feira; a de Belo Monte, aos domingos; a de Pão de Açúcar, às
segundas-feiras.
Quisera poder saber a data precisa da fundação da feira de
Pão de Açúcar, como temos a de Belo Monte. Um anúncio datado de 20 de junho de
1877, publicado no Jornal do Penedo de 6 de julho de 1877, informa o dia exato
em que se fez a primeira:
“UMA NOVA FEIRA. Sendo marcado e já anunciado por todo o
centro desta povoação o dia 15 de julho vindouro, pelos negociantes e
proprietários da mesma povoação para a reunião da primeira feira que será em o
dia domingo; o abaixo-assinado vem por meio da imprensa ainda mais asseverar ao
público para completa ciência. Lagoa Funda, 20 de junho de 1877. UM APOLOGISTA”
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Anúncio da primeira feira de Belo Monte, publicado no Jornal do Penedo, 6 de julho de 1877. |
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Contrariar esse princípio foi sempre motivo de grandes
contendas. Os comerciantes de São Brás, por exemplo, insurgiram-se contra um
artigo do Código de Posturas de Porto Real do Colégio, que tencionava
transferir para as segundas-feiras o dia da feira, há alguns anos funcionando às
sextas-feiras. Alegavam que seriam prejudicados com a medida, conforme expõem
em carta aberta ao Presidente da Província (Dr. Passos de Miranda), datada de 25
de julho de 1877 e publicada no Jornal do Penedo, edição de 3 de agosto de
1877:
“Nas margens do rio de São Francisco, têm feira as cidades
do Penedo, Propriá e Pão de Açúcar, e as povoações de São Brás e
Piranhas; todas elas em dias determinados e expostos em ordem que não coincidem
com as mais contíguas, nem perturbam mutuamente os seus interesses; mas, ao
contrário, estabelece essa ordem a precisa comodidade e conveniência geral aos
negócios de seus concorrentes.
Todas essas localidades, por sua vez, escolheram para suas
feiras o dia em que, sem detrimento de seus interesses nem interrupção de seus
labores, pudessem os povos trazerem para elas as suas mercadorias, e ali
abastecerem-se dos gêneros de que hão mister.
Coube, nesta distribuição, à povoação de São Brás, o dia de
sexta-feira, o único que pode satisfazer às conveniências aludidas, que são a
bale elementar do edifício do progresso. Transferida para qualquer outro dia,
cairá a feira em um dia inconveniente, ou coincidirá com a de outros lugares:
duma e doutra forma, subsistir é um impossível absoluto.”
E, por fim, concluem:
“Para estes lugares, porém, em que não se tem firmado um comércio estritamente sólido, erigido sobre elementos vitais, é a feira o material fabril desses mesmos elementos, a essencialidade do desenvolvimento social, uma necessidade palpitante.”
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De uma carta datada de 20 de janeiro de 1875, do
correspondente de Porto Real do Colégio, que se assina por “O observador”, publicada
no Jornal do Penedo (13/02/1875), ficamos sabendo que a feira daquela
localidade fora criada há cerca de um ano antes, mencionando também que se criava
uma feira em Igreja Nova, no dia 2 de janeiro de 1875, um sábado.
A certa altura, o correspondente faz menção à feira de Pão de
Açúcar:
“Sem dúvida é esta localidade uma das que, na margem do
São Francisco, nos limites desta Província, depois de Pão de Açúcar,
melhor futuro promete; porquanto tem um excelente porto e muitos povoados
circunvizinhos, com que entrelaça relações, não tendo sido até hoje elevada à
categoria de vila, como tanto merece.”
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Quando Piranhas ainda pertencia a Pão de Açúcar, a sua feira
foi suspensa, como podemos ver em nota publicada no jornal O Paulo Affonso, de Pão
de Açúcar, datado de 16 de fevereiro de 1879:
“FEIRA. Com a notícia de haver bexigas em Piranhas[ii],
muitos sertanejos e canoeiros deixaram de frequentar aquele porto, dirigindo-se
semanalmente para a povoação de Entre Montes, onde formaram uma feira bem
concorrida, na qual dispõe-se, nos dias de quarta-feira, grande quantidade de
gêneros alimentícios.”
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Em Pão de Açúcar, no segundo dia da semana, tudo girava em
torno da feira. Inteiramente ocupadas com as atividades de compra e venda, as
pessoas voltavam suas atenções para a necessidade de abastecer suas dispensas
com os gêneros de que precisavam. Tanto que nem as escolas funcionavam, mantendo
suas aulas nos dias de sábado.
Há alguns anos, havendo outras opções de compra em supermercados
e mercadinhos, essa situação se alterou, passando a ser a segunda-feira um dia
útil, com aulas e tudo o mais.
O local da feita também mudou, deixando de ser na Avenida
Bráulio Cavalcante, estendendo-se para a Praça do Centenário e adjacências.
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Um trabalho do
historiador pão-de-açucarense Francisco Henrique Moreno Brandão, intitulado “ALAGOAS
EM 1922 – ESTUDO HISTÓRICO, ECONÔMICO, POLÍTICO, LITERÁRIO, ARTÍSTICO E SOCIAL,
PELO PROF. MORENO BRANDÃO, publicado no
Diário de Pernambuco, em 17 de setembro de 1922, nos informa os dias de feira
de muitas localidades, dos mais diferentes municípios. Diz ele:
“No Estado funcionam nos
dias que abaixo se mencionam as seguintes feiras:
Segunda-feira: Pão de Açúcar, Arapiraca, Sertãozinho[iii], São Miguel[iv].
Terça-feira: Piranhas.
Quarta-feira: Viçosa,
Santana do Ipanema, (Camuxinga[v]),
Vitória[vi]
(1ª), Alagoas[vii],
Palmeira de Fora[viii]
(Palmeira dos Índios).
Sexta-feira: Penedo,
Colégio[ix].
Sábado: Viçosa, Paulo Afonso[x],
Santana do Ipanema (Quadro[xi]),
Atalaia, Palmeira dos Índios, Vitória (2ª)[xii],
Anadia, Canabrava[xiii],
Coruripe, União[xiv],
Porto Calvo, Camaragibe[xv],
Junqueiro, Maragogi, São Luiz do Quitunde, Jacaré (Pão de Açúcar)[xvi],
Rio Largo.
Domingo: Paraíba[xvii],
Água Branca, Poço das Trincheiras, Cajueiro, Várzea do Pico[xviii],
Anel[xix],
Pindoba, Cacimbinhas, Pedra[xx],
Limoeiro de Anadia, Murici, São José da Laje, Curralinho[xxi],
Tanque D’Arca, Branquinha, Barra do Canhoto[xxii],
Mar Vermelho, Lourenço de Albuquerque[xxiii],
Mundaú-Mirim[xxiv],
Flexeiras, Sapucaia[xxv],
Belo Monte, Leopoldina[xxvi],
Jundiá, Riachão do Cipó[xxvii],
Arrasto[xxviii],
Chã Preta, Capim[xxix],
Camaçari, Boca da Mata.”
_____ _
NOTA:
Caro
leitor,
Deste
Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de
informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita
pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência
bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse
para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior
proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a
citação das referências. Isso é correto e justo.
[i] Massa
de açúcar muito branca e consistente
[ii] Piranhas
ainda pertencia ao território de Pão de Açúcar.
[iii]
Atual Major Isidoro
[iv]
Atual São Miguel dos Campos
[v]
Bairro de Santana do Ipanema
[vi]
Atual Quebrangulo
[vii]
Atual Marechal Deodoro
[viii]
Bairro de Palmeira dos Índios
[ix]
Atual Porto Real do Colégio
[x]
Atual Mata Grande
[xi]
Quadro: refere-se à praça central
[xii]
Refere-se a outra feira em Quebrangulo
[xiii]
Atual Taquarana
[xiv]
Atual União dos Palmares
[xv]
Atual Matriz de Camaragibe
[xvi]
Atual Jacaré dos Homens
[xvii]
Atual Capela
[xviii]
No município de Água Branca
[xix]
Povoado de Viçosa
[xx]
Atual Delmiro Gouveia
[xxi]
Atual Messias
[xxii]
No município de União dos Palmares
[xxiii]
No município de Rio Largo
[xxiv]
Atual Santana do Mundaú
[xxv]
No município de Atalaia
[xxvi]
Atual Colônia Leopoldina
[xxvii]
No então município de Paraíba, atual Capela
[xxviii]
No município de Paraíba, atual Capela
[xxix] Atual Olivença
Lendo esse interessante artigo fiz uma breve viagem mental à minha tenra infância ao lembrar das frequentes viagens em canoa de tolda ou de lancha (Tupi, Tupiji...) entre Pão de Açúcar e Belo Monte, quase sempre em dias de feira. Era uma maravilha, uma verdadeira diversão.
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