quarta-feira, outubro 1

A FEIRA LIVRE DE PÃO DE AÇÚCAR – BREVE HISTÓRICO

Por Etevaldo Amorim


Dia de feira em Pão de Açúcar-AL. Foto: Terra das Alagoas, Adalberto Marroquim, 1916.


Verdadeiros mercados a céu aberto, as feiras livres são centros de negócios que se caracterizam pela comercialização de produtos frescos e pela interação direta entre produtores e consumidores, além de serem cruciais para a geração de emprego e renda e para o fortalecimento da identidade cultural e sociabilidade local. 


Atraindo consumidores das localidades adjacentes de Alagoas e também do Estado de Sergipe, a nossa feira sempre foi reconhecida com uma das melhores de todo o Baixo São Francisco. Além dos moradores do centro (interior do município), que se deslocavam montados, em carros-de-boi ou em caminhões, os ribeirinhos para ali acorriam viajando em canoas e lanchas.


Nas manhãs de segunda-feira, logo cedo, às 5 horas, a lancha partia do Limoeiro, dando porto em Jacarezinho e Santiago com destino a Pão de Açúcar. Faziam essa linha as lanchas Tupy ou Tupigy, da Empresa Fluvial Tupan (com sede em Neópolis-SE), que desciam lá pelas 11 horas. Nos últimos anos da década de 1980, foram substituídas por outras.


Variadíssima era a oferta de produtos, encontrando-se gêneros alimentícios e até tecidos e calçados. Lá pelos anos 1960/70, ainda se podia comprar: candeeiros, placas, lampiões, esteira de piripiri, panelas e outros utensílios de barro feitos no Limoeiro, na Caiçara e na Ilha de São Pedro; cestos, caçuás, urupemas, chapéus de palha, abanador de palha...


Não faltavam também as cordas de caroá, feitas no povoado Mocambo (Porto da Folha-SE), fartamente utilizadas nos arreios dos panos de canoa, tendo os mais variados empregos nas atividades do campo.


Do Limoeiro vinhas as famosas mangas, produzidas na ilha situada entre este e o povoado Jacarezinho.


Da praia (regiões próximas ao mar, como Propriá e Penedo) chegavam o coco e a cerâmica de barro do Carrapicho (atual Santana do São Francisco-SE): moringas e quartinhas, cabaças, potes, jarros, alguidares; além de objetos de brinquedo: bois, cavalos..., que entretinham a garotada. Também traziam malcasada, pé-de-moleque (ou pé-de-nego) e outras guloseimas.


Feira de Pão de Açúcar, década de 1970, vendo-se o conhecidíssimo comerciante José Ivanildo dos Santos (Nidinho das Quartinhas).


Gervásio Francisco dos Santos, conterrâneo que publicou, em 1976, o livro UM LUGAR NO PASSADO, relembra os aspectos da feira lá pelos anos 1930. Diz ele que a mesma se limitava ao trecho da Av. Bráulio Cavalcante situado entre a Igreja Matriz e a Prefeitura. No extremo do lado da igreja, extavam expostos à venda: animais  (boi, carneiro, bode, porco, cavalo, burro e jumento); aves (peru, galinha, pato, ganso, papagaio e periquito); frutas nativas (araçá-mirim, Ouricuri e umbu), jenipapo, pinha, mamão, limão e caju, verduras e legumes (alface, maxixe, quiabo, açafrão, couve, segurelha, pimenta, pimentão, tomate, hortelã, coentro, cebola verde e berinjela), tapioca, beiju, ovos, farinha de mandioca, carne de boi de sol (seca), animais nativos (cágado, sagui e gato selvagem).


No trecho intermediário, fronteiro ao açougue público (atualmente Câmara de Vereadores), havia outra seção da feira, onde eram comercializados: tamancos, sandálias, utensílios domésticos de flandres (fabricados e vendidos por Manoel Cincinato, João Cincinato e “siá” Filomena), açúcar, laticínios (queijo, requeijão e manteiga), corda de caroá, fumo-de-rolo, cangalha, carne seca de animais nativos (veado, anta, caititu, tamanduá, paca, camaleão, capivara e mocó), chocalhos, arreios para cavalo, rede, alforge, cartucheira, gibão, sela, quinquilharia, comercializada pelos senhores Clarismundo de Campos – Zé Gago, Nestor Brandão (Nestor de Morena Brandão) e Antônio Ramos de Aquino.


No quadro situado defronte a Prefeitura, estava a seção de venda de cereais (feijão, milho e arroz), frutas (manga, laranja, melancia, abacaxi, pitomba, banana, jaca, coco, abóbora, cana-de-açúcar, covo, bolsa de palha, cesto, rapadura, fogos, peixe (seco e fresco), sal de cozinha, utensílios e objetos...


Nesta seção também havia pequenas barracas, cobertas com esteira de piripiri, onde se vendia peixe frito com arroz, café com pão, alfenim[i], puxa-puxa, broa, coruja, quebra-queixo, cuscuz de milho e de arroz.


Não sabemos quando, exatamente, surgiu a feira livre de Pão de Açúcar. O que podemos dizer é que sobre ela encontramos referências ao longo do ano de 1875, em jornais do Penedo, dando a entender que já existia em data muito mais remota.


O que é certo é que se deu, a exemplo de todas aquelas existentes nas localidades do Baixo São Francisco, a partir de determinado estágio de seu desenvolvimento. O crescimento populacional, a produção agrícola, o artesanato, a localização geográfica eram fatores determinantes para o aparecimento desses pequenos centros comerciais, para onde afluíam os moradores das redondezas em certo dia da semana.


Aliás, a fixação de um dia da semana para o funcionamento da feira respeitava sempre a distância entre as localidades ao longo do curso do rio, de modo a que não se fizesse concorrência umas às outras e que fosse permitido aos comerciantes “darem feira” em diferentes locais.


Assim, a feira de Propriá-SE era no sábado; a de São Brás, na sexta-feira; a de Belo Monte, aos domingos; a de Pão de Açúcar, às segundas-feiras.


Quisera poder saber a data precisa da fundação da feira de Pão de Açúcar, como temos a de Belo Monte. Um anúncio datado de 20 de junho de 1877, publicado no Jornal do Penedo de 6 de julho de 1877, informa o dia exato em que se fez a primeira:


“UMA NOVA FEIRA. Sendo marcado e já anunciado por todo o centro desta povoação o dia 15 de julho vindouro, pelos negociantes e proprietários da mesma povoação para a reunião da primeira feira que será em o dia domingo; o abaixo-assinado vem por meio da imprensa ainda mais asseverar ao público para completa ciência. Lagoa Funda, 20 de junho de 1877. UM APOLOGISTA”

Anúncio da primeira feira de Belo Monte, publicado no Jornal do Penedo, 6 de julho de 1877.


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Contrariar esse princípio foi sempre motivo de grandes contendas. Os comerciantes de São Brás, por exemplo, insurgiram-se contra um artigo do Código de Posturas de Porto Real do Colégio, que tencionava transferir para as segundas-feiras o dia da feira, há alguns anos funcionando às sextas-feiras. Alegavam que seriam prejudicados com a medida, conforme expõem em carta aberta ao Presidente da Província (Dr. Passos de Miranda), datada de 25 de julho de 1877 e publicada no Jornal do Penedo, edição de 3 de agosto de 1877:


Nas margens do rio de São Francisco, têm feira as cidades do Penedo, Propriá e Pão de Açúcar, e as povoações de São Brás e Piranhas; todas elas em dias determinados e expostos em ordem que não coincidem com as mais contíguas, nem perturbam mutuamente os seus interesses; mas, ao contrário, estabelece essa ordem a precisa comodidade e conveniência geral aos negócios de seus concorrentes.


Todas essas localidades, por sua vez, escolheram para suas feiras o dia em que, sem detrimento de seus interesses nem interrupção de seus labores, pudessem os povos trazerem para elas as suas mercadorias, e ali abastecerem-se dos gêneros de que hão mister.


Coube, nesta distribuição, à povoação de São Brás, o dia de sexta-feira, o único que pode satisfazer às conveniências aludidas, que são a bale elementar do edifício do progresso. Transferida para qualquer outro dia, cairá a feira em um dia inconveniente, ou coincidirá com a de outros lugares: duma e doutra forma, subsistir é um impossível absoluto.”


E, por fim, concluem:


Para estes lugares, porém, em que não se tem firmado um comércio estritamente sólido, erigido sobre elementos vitais, é a feira o material fabril desses mesmos elementos, a essencialidade do desenvolvimento social, uma necessidade palpitante.”

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De uma carta datada de 20 de janeiro de 1875, do correspondente de Porto Real do Colégio, que se assina por “O observador”, publicada no Jornal do Penedo (13/02/1875), ficamos sabendo que a feira daquela localidade fora criada há cerca de um ano antes, mencionando também que se criava uma feira em Igreja Nova, no dia 2 de janeiro de 1875, um sábado.


A certa altura, o correspondente faz menção à feira de Pão de Açúcar:


Sem dúvida é esta localidade uma das que, na margem do São Francisco, nos limites desta Província, depois de Pão de Açúcar, melhor futuro promete; porquanto tem um excelente porto e muitos povoados circunvizinhos, com que entrelaça relações, não tendo sido até hoje elevada à categoria de vila, como tanto merece.”

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Quando Piranhas ainda pertencia a Pão de Açúcar, a sua feira foi suspensa, como podemos ver em nota publicada no jornal O Paulo Affonso, de Pão de Açúcar, datado de 16 de fevereiro de 1879:


“FEIRA. Com a notícia de haver bexigas em Piranhas[ii], muitos sertanejos e canoeiros deixaram de frequentar aquele porto, dirigindo-se semanalmente para a povoação de Entre Montes, onde formaram uma feira bem concorrida, na qual dispõe-se, nos dias de quarta-feira, grande quantidade de gêneros alimentícios.”


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Em Pão de Açúcar, no segundo dia da semana, tudo girava em torno da feira. Inteiramente ocupadas com as atividades de compra e venda, as pessoas voltavam suas atenções para a necessidade de abastecer suas dispensas com os gêneros de que precisavam. Tanto que nem as escolas funcionavam, mantendo suas aulas nos dias de sábado.


Há alguns anos, havendo outras opções de compra em supermercados e mercadinhos, essa situação se alterou, passando a ser a segunda-feira um dia útil, com aulas e tudo o mais.


O local da feita também mudou, deixando de ser na Avenida Bráulio Cavalcante, estendendo-se para a Praça do Centenário e adjacências.

 

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Um trabalho do historiador pão-de-açucarense Francisco Henrique Moreno Brandão, intitulado “ALAGOAS EM 1922 – ESTUDO HISTÓRICO, ECONÔMICO, POLÍTICO, LITERÁRIO, ARTÍSTICO E SOCIAL, PELO PROF.  MORENO BRANDÃO, publicado no Diário de Pernambuco, em 17 de setembro de 1922, nos informa os dias de feira de muitas localidades, dos mais diferentes municípios. Diz ele:


“No Estado funcionam nos dias que abaixo se mencionam as seguintes feiras:


Segunda-feira: Pão de Açúcar, Arapiraca, Sertãozinho[iii], São Miguel[iv].


Terça-feira: Piranhas.

Quarta-feira: Viçosa, Santana do Ipanema, (Camuxinga[v]), Vitória[vi] (1ª), Alagoas[vii], Palmeira de Fora[viii] (Palmeira dos Índios).


Sexta-feira: Penedo, Colégio[ix].


Sábado: Viçosa, Paulo Afonso[x], Santana do Ipanema (Quadro[xi]), Atalaia, Palmeira dos Índios, Vitória (2ª)[xii], Anadia, Canabrava[xiii], Coruripe, União[xiv], Porto Calvo, Camaragibe[xv], Junqueiro, Maragogi, São Luiz do Quitunde, Jacaré (Pão de Açúcar)[xvi], Rio Largo.


Domingo: Paraíba[xvii], Água Branca, Poço das Trincheiras, Cajueiro, Várzea do Pico[xviii], Anel[xix], Pindoba, Cacimbinhas, Pedra[xx], Limoeiro de Anadia, Murici, São José da Laje, Curralinho[xxi], Tanque D’Arca, Branquinha, Barra do Canhoto[xxii], Mar Vermelho, Lourenço de Albuquerque[xxiii], Mundaú-Mirim[xxiv], Flexeiras, Sapucaia[xxv], Belo Monte, Leopoldina[xxvi], Jundiá, Riachão do Cipó[xxvii], Arrasto[xxviii], Chã Preta, Capim[xxix], Camaçari, Boca  da  Mata.”

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NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Massa de açúcar muito branca e consistente

[ii] Piranhas ainda pertencia ao território de Pão de Açúcar.

[iii] Atual Major Isidoro

[iv] Atual São Miguel dos Campos

[v] Bairro de Santana do Ipanema

[vi] Atual Quebrangulo

[vii] Atual Marechal Deodoro

[viii] Bairro de Palmeira dos Índios

[ix] Atual Porto Real do Colégio

[x] Atual Mata Grande

[xi] Quadro: refere-se à praça central

[xii] Refere-se a outra feira em Quebrangulo

[xiii] Atual Taquarana

[xiv] Atual União dos Palmares

[xv] Atual Matriz de Camaragibe

[xvi] Atual Jacaré dos Homens

[xvii] Atual Capela

[xviii] No município de Água Branca

[xix] Povoado de Viçosa

[xx] Atual Delmiro Gouveia

[xxi] Atual Messias

[xxii] No município de União dos Palmares

[xxiii] No município de Rio Largo

[xxiv] Atual Santana do Mundaú

[xxv] No município de Atalaia

[xxvi] Atual Colônia Leopoldina

[xxvii] No então município de Paraíba, atual Capela

[xxviii] No município de Paraíba, atual Capela

[xxix] Atual Olivença 

Um comentário:

  1. Lendo esse interessante artigo fiz uma breve viagem mental à minha tenra infância ao lembrar das frequentes viagens em canoa de tolda ou de lancha (Tupi, Tupiji...) entre Pão de Açúcar e Belo Monte, quase sempre em dias de feira. Era uma maravilha, uma verdadeira diversão.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia