sábado, 26 de setembro de 2009
IV BIENAL DO LIVRO DE ALAGOAS
Por Etevaldo Amorim
Ao ensejo das comemorações do sesquicentenário da visita do Imperador D. Pedro II à Cachoeira de Paulo Afonso, cabe ressaltar não apenas o fato histórico em si, mas principalmente os seus efeitos sobre a vida dos ribeirinhos do São Francisco.
Reportando-nos àquele ano de 1859, desejamos tecer algumas considerações sobre a navegação no curso Baixo do rio, desde a sua foz, em Piaçabuçu; até Piranhas, ponto limitante para as condições de navegabilidade, dada a existência de um obstáculo natural, a Cachoeira de Paulo Afonso.
A nossa abordagem começa com a descrição das condições encontradas pelo Imperador. Apenas canoas rústicas, feitas muitas vezes de um só tronco de tamboril, vinhático ou cedro, conforme se refere o engenheiro alemão Henrique Halfeld quando da viagem pelo São Francisco, nos anos de 1852 a 1854, cujo resultado do levantamento foi publicado no famoso Atlas publicado em 1860.
Eis sua descrição:
“A navegação é feita no rio por grandes canoas de 60 a 70 palmos de comprimento, 8 a 10 palmos de largura e 4 a 5 palmos de altura que, para carga, sendo ela muita, são unidas ou ajoujadas, duas ou mais.”
Referindo-se às canoas de tolda,
“uma coisa notável é o cômodo para os viajantes. A chamada tolda, na proa, faz com que a canoa grande ofereça a forma de uma chinela ou tamanco. As velas são de grandes dimensões, duas para cada uma destas canoas, com as quais só viajam com vento à proa rio acima”. A virações ou ventos só caem de 9 para 10 horas da manhã e sopram com cada vez mais crescida violência até às 11 e 12 horas da noite, impulsando as embarcações como se fossem movidas a vapor, cortando a sua proa com grande ruído as atuas contra a correnteza mais forte do rio em espumantes ondas jogadas a cada lado das suas bordas, até a alta noite, quando aparece a chamada calada, que põe tudo em silêncio”.
“Também usam de pôr a canoa à toa descendo pelo rio, trazendo um arbusto na popa, cujo peso com a corrente das águas a faz seguir em direção do canal mais profundo”.
Esse recurso é também citado por outros visitantes que visitaram a região, a exemplo de George Gardner, Vieira de Carvalho e Avé Lallemant. É que, sendo as velas usadas apenas para viajar rio acima (com vento favorável), estas se revelavam inúteis quando se pretendia descer. Fechavam-se os panos e, à custa de muito suor e sono, entravam os remadores a zingar, noite adentro, entoando modinhas e versos do cancioneiro popular.
Com o advento da Lei nº 19, de 9 de março de 1836, foi aprovada a concessão à Empresa Mornay & Cia, que obteve o privilégio de estabelecer, com exclusividade e por 14 anos, a navegação nos rios e barras da Província das Alagoas, mas só em 1852 o Governo da Província era autorizado a auxiliar financeiramente companhias de vapores costeiros da Bahia, que tocariam os portos de Jaraguá (Maceió) e Penedo, na margem esquerda do rio São Francisco.
Outra legislação (Lei nº 317, de 23 de abril de 1857) faria com que fosse estendida a qualquer companhia ou empresa o direito de estabelecer a navegação a vapor no rio São Francisco e, no mesmo ano, o Governo Imperial foi autorizado a auxiliar, com 30:000$000 anuais, qualquer companhia que se organizasse para explorá-la.
A Província de Sergipe, por sua vez, respaldada pela Resolução nº 533, de 8 de julho de 1858, permitia-se auxiliar à empresa de navegação a vapor projetada por Luiz Caetano da Silva Campos e João Francisco Fróes, para que atuassem desde a foz até a vila de Pão de Açúcar.
Em que pesem todas essas providências legais, nada de prático se verificava no sentido de efetivamente iniciar a navegação a vapor nesse trecho. Tanto que o Imperador, tão logo o vapor Apa transpôs a barra, recebeu logo a bordo o Presidente da Província das Alagoas, Conselheiro Manoel Pinto de Souza Dantas, com o qual conversou sobre a navegação. Em seu diário, D. Pedro II anotaria “e essa gente nem ainda cuidou de regularizar a navegação do rio São Francisco.”
Tanto que o vapor Pirajá, utilizado pelo Imperador e sua comitiva para a viagem à cachoeira, foi o primeiro a alcançar o ponto máximo navegável no Baixo São Francisco. Entretanto, somente em 7 de setembro de 1867, por força dos Decretos nºs 3.749, de 7 de dezembro de 1866 e 3.920, de 31 de julho de 1867, de inspiração do Barão de Penedo, teve início a navegação naquele trecho, pela Companhia Costeira Baiana, através de dois vapores: Paulo Afonso e Jequitaya.
Assim, a partir de 4 de maio de 1879 começou a operar o vapor Sinimbu, da Companhia Pernambucana, mediante contrato firmado entre o Governo Geral e os Srs. José Maria Gonçalves Pereira e o Tenente-Coronel Antônio Ulysses de Carvalho. Outro contrato com o Governo Provincial (assinado em 28 de maio de 1879 pelo Presidente Cicinato Pinto da Silva), devidamente autorizado pela Lei Provincial nº 785, de 6 de junho de 1878, com regulamentação dada pelo Decreto nº 7.123, de 4 de janeiro de 1879. A empresa recebia, anualmente, subvenção de 40:000$000 Rs do Governo Geral e 6:000$000 Rs dos cofres do governo alagoano.
Já por volta de 1888, a Companhia Pernambucana utilizava também o vapor Maceió, sendo, já na primeira década do Século XX, substituído pela lancha Moxotó até o seu naufrágio em 10 de janeiro de 1917, ocorrido entre os povoados Ilha do Ferro (Pão de Açúcar-AL) e Bonsucesso (Poço Grande-SE), em que pereceram dezoito pessoas, entre passageiros e tripulantes. Aliás, essas embarcações traziam, cada uma a seu modo, um caráter fatídico. O vapor Sinimbu era famoso pelas suas rodas laterais, em conseqüência, foram freqüentes os acidentes com passageiros, tragados pelas mesmas, ocorridos no momento do embarque ou desembarque. Esses navios foram depois vendidos à empresa Peixoto & Cia, que os substituiu pelos vapores Comendador Peixoto e Penedo.
O vapor Penedo - também conhecido por “Penedinho” - operou até finais da Década de 1950. Por sua vez, o vapor Comendador Peixoto atuou até finais da década de 1960. A partir da década de 1950, entraram em operação as lanchas da Empresa Fluvial Tupã (de Sebastião e Luiz Barreto), com sede em Neópolis, Sergipe. De nomes: Tupigy, Tupy e Tupã faziam linha duas vezes por semana, de Penedo a Piranhas, no auge do tráfego de mercadorias e passageiros. O decênio 1970 ficou marcado pelo declínio da navegação no Baixo São Francisco, em virtude da construção de estradas que permitiam o melhor escoamento da produção e propiciavam maior rapidez. Em 1979, a lancha Tupã fez a sua última viagem, dando lugar a pequenas embarcações que faziam linhas curtas em pequenos trechos, pondo fim à longa história de conquistas e avanços dos modos de navegar no “Velho Chico”.
A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR
PÃO DE AÇÚCAR
Marcus Vinícius*
Meu mundo bom
De mandacarus
E Xique-xiques;
Minha distante carícia
Onde o São Francisco
Provoca sempre
Uma mensagem de saudade.
Jaciobá,
De Manoel Rego, a exponência;
De Bráulio Cavalcante, o mártir;
De Nezinho (o Cego), a música.
Jaciobá,
Da poesia romântica
De Vinícius Ligianus;
Da parnasiana de Bem Gum.
Jaciobá,
Das regências dos maestros
Abílio e Nozinho.
Pão de Açúcar,
Vejo o exagero do violão
De Adail Simas;
Vejo acordes tão belos
De Paulo Alves e Zequinha.
O cavaquinho harmonioso
De João de Santa,
Que beleza!
O pandeiro inquieto
De Zé Negão
Naquele rítmo de extasiar;
Saudade infinita
De Agobar Feitosa
(não é bom lembrar...)
Pão de Açúcar
Dos emigrantes
Roberto Alvim,
Eraldo Lacet,
Zé Amaral...
Verdadeiros jaciobenses.
E mais:
As peixadas de Evenus Luz,
Aquele que tem a “estrela”
Sem conhecê-la.
Pão de Açúcar
Dos que saíram:
Zaluar Santana,
Américo Castro,
Darras Nóia,
Manoel Passinha.
Pão de Açúcar
Dos que ficaram:
Luizinho Machado
(a educação personificada)
E João Lisboa
(do Cristo Redentor)
A grandiosa jóia.
Pão de Açúcar,
Meu mundo distante
De Cáctus
E águas santas.
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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)
(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937
(+) Maceió (AL), 07.05.1976
Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.
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PÃO DE AÇÚCAR
Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.
Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.
Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,
O pó que o vendaval deixou no chão cair.
Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste
O teu profundo sono num divino sorrir.
Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,
Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.
Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.
Teus jardins se parecem com vastos cemitérios
Por onde as brisas passam em brando sussurrar.
Aqui e ali tu tens um alto campanário,
Que dá maior relevo ao pálido cenário
Do teu calmo dormir em noite de luar.
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Ben Gum, pseudônimo de José Mendes
Guimarães - Zequinha Guimarães.