domingo, 13 de junho de 2021

MACEIÓ, CIDADE ALEGRE

Jorge de Lima[i]

Antes de Maceió ser capital do Estado, a cidade de Alagoas teve esse privilégio. Alagoas – capital Alagoas; Alagoas – capital Maceió; os nomes das duas capitais já vinham com a história das cidades que brotam d’água. Maceió – “o que tapa o alagadiço” ou simplesmente Alagoas com a sua “Paranan-guera” – o que foi mar, ou com a sua “Para-i-guera” – ou “Paraíba antigo”, tudo ali conta as origens, o seu mergulho de milénios, até emergir, libertar-se do mar, ser lagoa, corôa, terra firme: Maceió enfim ou “o que tapa o alagadiço”.

Os nomes mesmo dos arrabaldes, das ruas, dos sítios são nomes pitorescos molhados d’água: Cambona, Poço, Levada, Aterro de Jaraguá, Aterro do Cemitério, Olhos D’Água, Bebedouro. De sorte que a mudança da capital para Maceió já representa mesmo, etimologicamente, um progresso: a terra aflorou, tapou-se o alagadiço, surgiu Maceió.

O homem que pegou em armas para que a mudança não se operasse não concorreu, porém, com o holandês a fim de conquistar solo, aumentar a cidade, consolidar o seu terreno de treme-treme. O mangue é que anonimamente, milênios e milênios mandou raízes, distribuiu sementes, conquistou terra para a sua pátria das Alagoas.

A terra continua ainda misturada à água, cortada de riachos, de cambonas, rodeada de lagoas, por isso é uma terra que me agrada porque tem a sedução das terras das ilhas distantes, das erromangos com seus coqueirais, com a sua ventania constante e seu mar furioso. É a terra mais bela do Brasil, pobrinha com seus ricos lençóis d’água subterrâneos, com seus prováveis lençóis de petróleo.

Maceió possui excelente posição topográfica, com seus três planos que a dividem em três bairros característicos: Maceió, Jaraguá e Jacutinga ou Farol.

Vista aérea de Maceió, 1936.

Do Jacutinga divisam-se Maceió e Jaraguá e lá longe os canais e a lagoa longínqua. Canoas veleiras cortam as águas, o descendente de caetés apanha o sururu no fundo da lagoa. O farol, mal chega a noite, lambe aquelas terras alagadas com uma faixa imensa branca e vermelha. Maceió vai recolher-se, vai dormir. A cidade dorme cedo, não tem hábitos noturnos.

Lá está a igreja do Rosário, lá está a Matriz, lá está a igreja dos Martírios que Roy Nash, protestante, achou tão bonita que a botou em seu livro errado e bom “The Conquest of Brazil”.

Nas terras de Satuba – “terras de caranguejo”, o Mundaú transbordou, as águas subiram nos trilhos da Great Western: o trem vem atrasado, vem de longe, de “Cinco Pontas”, vem cansado.

A história da Great Western, a zona dos quatros Estados que ela atravessa, o home que nela viaja, os dirigentes ingleses, o caboclo, o cossaco (trabalhador da linha), o senhor de Engenho vestido de guarda-pó, o usineiro “nouveau-riche” arrebentado e quase sempre ridículo, o judeu cobrando a prestação de gare em gare, os banguês das margens devorados pelas usinas e a Great Western canalizando todas aquelas economias para o estrangeiro, tudo isso dava um formidável ensaio, um romance extraordinário que nenhum nordestino quis ainda escrever. Porém, Maceió é isso, somente? Alagados, mangues, caetés, Great Western? Não. Maceió tem fábricas, tem operários, tem petróleo, tem latifúndios, tem politiqueiros, tem substância para uma grande história, para uma grande tragédia, para uma grande glória, para a Paz, para a Paz.

As condições mesológicas desfavoráveis poderiam modificar o homem daquelas plagas, nivelá-lo ao plano da terra sem elevações, quase ao nível do mar. Não conseguiram, entretanto: o maceioense é sagaz, vivo e trabalhador, como todo nordestino. De uma jogralidade inexcedível, nas suas festas de São João, de Natal, na Levada e em Bebedouro; no Carnaval, em qualquer festejo, enfim, ele se apresenta com a velha alma de caeté amante dos folguedos, engraçadíssimo.

Mesmo às margens das lagoas, na zona do sururu, o home não é só o empalemado roedor de tijolo, triste e vencido pela lama. O coco (dança tradicional da região), o toré, o reizado, a chegança, têm mestres extraordinários nas ilhas, nos canais e nas margens das grandes lagoas.

Uma vez apreciei um toré organizado por mestre João Pedro, que nunca me saiu da memória, desde a infância querida que os anos não trazem mais. Esse toré entrou por Bebedouro, com os seus reis preto e caboclo. Tinha uma extraordinária rainha índia, com uma coroa de espelhinhos e manto de flanela vermelha, trazia óculos escuros e bigodes e costeletas grudados com goma de farinha do Reino. Era lindíssima a Rainha. Os reis prendiam moleques, entregava depois os reféns a troco de níqueis. No fim, os pretos são sempre vencidos pelos caboclos. Ainda hoje essa folgança tradicional termina sempre com a vitória dos nativos que, afinal, nos tempos de hoje, são todos eles, tão misturadas andam as três raças naquelas regiões.

A jogralidade é característica tão forte do maceioense que, aos tempos da revolução de 30, ainda as forças de Paraíba demoravam na capital e já o povo promovia passeatas, com dichotes e grossa pandega, dando, imediatamente, ao acontecimento, um aspecto de farra carnavalesca.

Pouco dias depois, o guerreiro Juarez Távora, discursando para um grupo de curiosos, em frente ao palácio dos Martírios, foi aparteado por um ouvinte: - General, aqui continua tudo na mesma mamãezada!

Achei a expressão - “mamãezada” - de uma felicidade de interpretação extraordinária. “Mamãezada” – coisa entre mamãe e filho, briga sem importância, fechar os olhos, passar esponja, está tudo acabado”! Para que inimizade entre os caboclos da mesma tribo?

A forte humanidade, o poderoso vínculo de solidariedade e de amor que assinalam o caráter daquela gente, fazem-na a mais doce, a mais acolhedora, a mais amiga nação do Nordeste.

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Transcrito da revista Carioca, nº 18, 22 de fevereiro de 1936. http://memoria.bn.br/DocReader/830259/1081

 

Caro leitor,

Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] 


Jorge Mateus de Lima nasceu em União dos Palmares, Estado de Alagoas, no dia 23 de abril de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro no dia 15 de novembro de 1953. Era filho de José Matheus de Lima, um rico comerciante, e Delmina Simões. 

sábado, 12 de junho de 2021

VIAJANDO NO SÃO FRANCISCO

 

C. Nery Camello[i]


Propriá e Penedo são as duas principais cidades do B. São Francisco. A primeira, em Sergipe; a segunda, em Alagoas. Rivalizam-se em população, comércio e adiantamento. Separa-as uma distância de dez léguas aproximadamente. Os vapores que fazem a linha até Piranhas efetuam apenas uma viagem por semana.

Há, porém, nesse trecho do rio um tráfego constante de pequenos barcos, todos com a denominação de canoas. São embarcações à vela, com uma cobertura de palha, proporcionando relativo conforto aos passageiros. Possuem apenas uma estreita e acanhada porta de entrada e meia dúzia de janelinhas laterais, pelas quais peneira o vento pelas horas de canícula.

Embora de igual tamanho, essas canoas não obedecem à mesma planta original das barcas do Alto S. Francisco que têm, de ordinário, na proa, uma escultura monstruosa, representando, às vezes, um busto de mulher com cabeça de dragão. Pintadas com cores berrantes, sugerem-nos uma ideia das antigas galeras fenícias.

A rapidez ou demora da viagem, entre as duas cidades, depende das condições do vento. Em certas ocasiões, o trajeto é feito em menos de duas horas. Não raro, porém sucede ficarem as embarcações uma noite inteira flutuando, seguindo morosamente, à força de remos, contra a maré. De qualquer maneira, não deixa de ser um prazer viajar-se no histórico rio, a quem João Ribeiro chamou “o caminho da civilização brasileira”.

Eu tive sorte, pois na tarde em que me transportei de Penedo a Propriá – uma tarde clara e de céu muito azul – a ventania soprava fortemente. Com a enorme vela enfunada, o barco singrava célere, a caudalosa corrente, em que os raios do sol punham cintilações metálicas. Dezena de embarcações, subindo e descendo cruzavam-se, dando-nos a idéia de grandes pássaros, brancos e vermelhos, com as asas abertas, sobre as águas. Numa e noutra margem, vastos arrozais a cobrir a planície imensa. Nas ribanceiras, pouco elevadas, velhas e frondosas mangueiras. Surgem, em meio do rio, pequenas ilhas coroadas de verdura, seguidas de alvos bancos de areia.

E, enquanto a canoa avança sem interrupção, ora se aproximando de uma, ora de outra margem, os passageiros que vão fora da tolda divertem-se. Outros cantam modinhas, sambas e cocos, ao som estridente de um cavaquinho. Do meu beliche forrado com uma esteira macia, tendo junto à cabeceira uma efígie de Santa Terezinha, escuto as trovas e canções enternecedoras, saídas dos lábios daquela gente simples, despreocupada e feliz.

São quadrinhas deliciosas de autoria de poetas anônimos:

 

Menina dos olhos grandes

Não zombes tanto de mim,

Que até as penas têm pena

De me ver sofrer assim

 

Menina dos olhos verdes

De um lenço da mesma cor,

Diz a teu pai que te case

Que eu serei o teu amor.

 

Ninguém faça pontaria

Onde o chumbo não alcança,

Ninguém ponha o seu sentido

Onde não tem esperança.

 

A tarde já vai morrendo

Vai morrendo vagarosa,

Tão triste que até parece

O desfolhar de uma rosa...


Canoa no porto de Penedo. Foto: Pierre Verger

Penedo_Rocheira_O Malho, 22/06/1939. Foto Gaston Coelho

Porto de Propriá-SE. 1950






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Transcrito da revista Vida Doméstica, Vitória-ES, 30 de julho de 1938. http://memoria.bn.br/docreader/156590/14276

 



[i]


Constantino Nery Camello, filho de Antônio Nery Camello e Luzia de Barros Camello, nasceu na Fazenda Favela, município de Santa Quitéria-CE, em 25 de dezembro de 1898, casou-se com sua prima, a quiteriense Sra. Geracina Catunda Camelo, filha de Antônio Luduvico Catunda e Quitéria Camello Catunda, em 16 de setembro de 1939, na cidade do Rio de Janeiro, (RJ). Dessa união tiveram uma filha a Sra. Ana Maria Camelo, atualmente residente em Fortaleza (CE).

O intelectual Nery Camello como era conhecido foi folclorista, escritor, membro da Associação Cearense de Imprensa - ACI e da Associação Cearense de Folclore, funcionário público federal onde ocupou cargo de direção nos Correios.

Nery Camelo teve vários livros de destaque nacional, entre eles “Alma do Nordeste”, “Através dos Sertões”, “Viagens na Nossa Terra” e Poemas do Meu Sertão, seus trabalhos eram inspirados na vida rústica do sertanejo do Nordeste. Em sua homenagem existe hoje uma rua com seu nome no bairro Vicente Pinzon, em Fortaleza (CE) e outra no bairro Pereira Barretos em São Paulo (SP).

Nery Camello faleceu na cidade de Fortaleza, aos 75 anos de idade, no dia 3 de novembro de 1974, está sepultado no Cemitério de São João Batista.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia