Por
Etevaldo Amorim
Um
misto de técnico e artista. É o que se pode dizer, de forma rápida e concisa,
de Misael Domingues da Silva, esse notável alagoano que muito enalteceu o nome
da sua terra no campo da engenharia civil e da música. Difícil é dizer qual das duas capacidades foi
preponderante. Enquanto aplicava, pelo país afora, a sua competência na
execução de obras de grande porte e de alta complexidade, deixava-se tomar pela
enorme inspiração para compor as mais lindas melodias, chegando a ser comparado
a Ernesto Nazareth, na opinião do maestro Guerra Peixe.
Misael Domingues
em foto de Oliveira & Tondella, Recife. Coleção Manoel Rodrigues, Fundação
Joaquim Nabuco.
Nasceu
na cidade de Alagoas (atual Marechal Deodoro), no dia 21 de dezembro de 1857,
filho do casal João Domingues e Marquina Maria da Conceição Domingues, falecida
em 23 de julho de 1909, em Maceió.
Estudou
em sua terra natal e, aos doze anos de idade, foi para Maceió, onde ingressou
no Colégio São Domingos, do qual seu irmão Francisco Domingues era Vice-Diretor.
Alguns anos depois, lecionou desenho no Colégio Bom Jesus, fundado, em 1872, por
este mesmo irmão.
Misael Domingues.
Foto: Almanak Henaut, 1912-1913.
Em
1975, seu nome já era conhecido na Capital do Império. Nas páginas do Jornal do
Comércio, consta anúncio da polka-lundú “Mamãe já disse”, impressa e
distribuída pela loja de músicas de “D. Filippone”.[i] Estranhamente, seu nome
aparece como “Misael Lordsleem”, que havia sido adotado pelo seu irmão José
Domingues, sobrenome este que não pertence à família.
Quando
foi estudar no Rio de Janeiro, em 1878, sua chegada foi anunciada no jornal
Gazeta de Notícias (10 de março de 1878, p. 2):
“Chegou a esta
Corte o jovem pianista compositor Misael Domingues Lordsleem, conhecido pelas
suas graciosas músicas publicadas em Genebra, e outras aqui e em Maceió.
O nosso amigo foi
aluno do bem montado Colégio Bom Jesus, nas Alagoas, e vem dedicar-se à
carreira de Engenharia. Felicidades ao nosso talentoso patrício, que tantas
provas de dedicação tem dado a esta nobre classe. ”
Formou-se pela Escola Politécnica do Rio
de Janeiro, em 27 de novembro de 1885. Como profissional, exerceu numerosos
cargos, principalmente na construção de estradas de ferro em Pernambuco e Pará
e na fiscalização do porto da Paraíba (atual João Pessoa) e Recife.
Casou-se, em primeiras núpcias com a Srtª
Isabel Domingues, natural de Jaboatão, que veio a falecer, a 3 de setembro de
1890, aos 25 anos de idade, vítima de tétano puerperal. Viúvo, e ainda nos seus
33 anos, contraiu novo matrimônio, e com outra moça de Jaboatão, a Srtª Maria
Domingues Lacerda. Quis o destino que, também de parto, perdesse a sua segunda
esposa, em 15 de agosto de 1895, deixando dois filhos menores.
Casou-se, então, pela terceira vez,
agora com Anna Domingues d’Além, com quem conviveu até o final da vida.
Francisco
Domingues da Silva, professor, jornalista, abolicionista, irmão de Misael.
Foto: O Malho, Ano VII, nº 338, 6 de março de 1909.
Teve
papel importante na campanha abolicionista, participando, com seus dois irmãos Francisco
Domingues e José Domingues Lordsleem e outros idealistas, de ações de alta
relevância em defesa da causa dos negros. Tanto que, em 13 de julho de 1884, um
domingo, na residência do Sr. Luiz Ephigênio do Rosário, reuniram-se artistas
alagoanos e muitas outras pessoas de diversas classes e fundaram a Libertadora
Artística Alagoana[i].
Essa associação abolicionista era composta de duas categorias de sócios: os
Efetivos, formada exclusivamente por artistas; e os Protetores, constituída de
outros que aderissem à ideia e contribuíssem da mesma forma que os sócios Efetivos.
A primeira Diretoria ficou assim constituída: Presidente: José Domingues
Lordsleem; 1º Vice-Presidente: Graciano Lapa; 2º Vice-Presidente: Joaquim
Plácido; 3º Vice-Presidente: Ladislau Lobato; 1º Secretário: Adolpho Alencar;
2º Secretário: Pedro Nolasco; Orador: Dr. Misael Domingues; Vice-Orador:
Augusto Sátyro; Tesoureiro: Antônio Alves.
Já
no dia 3 de agosto, no Teatro Maceioense, participou, junto a cerca de
cinquenta estudantes alagoanos, da fundação do Clube Estudantesco Alagoano[ii], outra associação de
cunho abolicionista, cuja Diretoria ficou assim constituída: Presidente: Misael
Domingues: 1º Vice-Presidente: José Simões; 2º Vice-Presidente: Gabriel
Varella; 1º Secretário: Fausto de Barros; 2º Secretário: Eusébio de Andrade;
Orador: Carlos Vallente; Vice-Orador: Fernandes Lima; Tesoureiro: Enéas Moreira
de Lima.
Foi
também fundador do jornal “Lincoln”, um dos jornais mais engajados na luta pelo
fim da escravidão.
Faleceu no dia 2 de outubro de 1932,
na sua residência à rua Esmerandino Bandeira, nº 110, no Recife, deixando a
viúva D. Anna Domingues d’Além, doze filhos e seis netos.
Por
ocasião das comemorações do Centenário de Nascimento de Misael Domingues em
Alagoas, o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas realizou Sessão Solene,
cuja saudação coube ao sócio Félix Lima Junior. A solenidade contou também com
a presença do seu filho, o Engenheiro Agrônomo Renato Domingues da Silva, que
executou, ao piano, algumas de suas músicas mais conhecidas.[iii] Em nome da família,
agradeceu o Dr. Alpheu Domingues da Silva, também Engenheiro Agrônomo e técnico
de reconhecida competência, tendo sido Chefe da Inspetoria do Serviço de Algodão
do Ministério da Agricultura e Adito na Embaixada do Brasil nos Estados Unidos.
No
Senado Federal, o Senador Ruy Palmeira fez pronunciamento em Sessão do dia 12
de dezembro de 1957, exaltando a sua figura, o mesmo acontecendo na Câmara
Federal, por conta do Deputando pão-de-açucarense Segismundo Andrade.
Sobre
ele falou Diegues Junior, no Diário de Notícias do dia 22 de dezembro de 1957,
ao tempo em que registrava o enorme apreço que por ele tinham os membros de sua
família, justificadas pelo fato de seu pai, Manuel Balthazar Pereira Diegues
Junior, e o irmão de Misael, Francisco Domingues, terem sido companheiros de
magistério:
“... o nome de
Misael Domingues teve larga tradição; exerceu, no campo da composição musical
do Nordeste, um papel importante, de alta influência, de repercussão social. ”
Foi
autor de aproximadamente 90 obras, entre valsas, polcas, choros e maxixes,
entre as quais:Saudade (valsa de salão); Vivam os Noivos, quadrilha brilhante; Grande
Marcha Triunfal; Revelação, Romance Sem Palavras; Lágrimas de um Anjo, Mazurca
Sentimental; Mimo do Céu; Misteriosa, polca; Vacilante, gavota; Veneza
Brasileira, barcarola; Belezas do Recife: polca; 1897, valsa; Maria do Monte; Sophia
– valsa; Editha – valsa; Vaporosa - grande valsa de salão; Ultima Ilusão; De
Joelhos; Cavalinho de Pau – Mazurka; Balbuciando, morceau; Ao longe!... -
rêverie, 1899; - Salve Alagoas, polka-marcha; Arrulhos, valsa; À Beira Mar,
serenata; Ingênua, valsa; Inocência, romance para Violino, - redução para
piano; Um Brinde, 14 de setembro de 1900;, Pierrot, polka carnavalesca; Valse
Ballet; Valsa, 1903; Polka, 1902; Inahsinha, valsa; Aline, gavota; Cantilena ,
para canto e piano, poesia de Aníbal Lima, 1924; Alaide, polca; Besinha, polca;
Brasileira, polca; Diva, valsa; Divinal, valsa; Doux Souvenirs, polca; Dulce,
valsa; Eu Era Assim; Guiomar, pas de quatre; Maviosa, polca; Meiguice, grande
valsa; Mes Songes, polca; Olha o Urso - polca (1901); Polka dos Calouros;
Saudade - valsa de salão; Cismando; Tempestade - valsa; Vamos dançar? - polca
brasileira; Viva a República - valsa; Volante - valsa; Zazá; Zeni – polca; 29
de maio (dobrado) Galope para piano (galope); Hino Escolar (letra de Gaspar
Regueira); Século XX (marcha a 4 mãos); Onze de Junho (marcha triunfal);
Noturno para piano (Noturno); Gentil (§), Guiomar (§), Impetuoso (§),Innah (§),
Julieta (pas-de-quatre) Adelaíde (§), Belezas do Recife (§), Brasileirinha (§),
Democrata (§), Polka para piano, Sanita, Yolita, Zeny (§) (polkas) Gargalhada,
Polka (polka original) Ao relento; Maria José (1a. Pequena Valsa) Magnética
(2a. Pequena Valsa); Caita, Dulce, Edith, Meiguice, Nilza; Nininha, Sinhazinha,
Soupirs d`amour, Valsa de Concerto, Valsa para piano, Volante (§) (Valsa ) Viva
a República (§) (valsa brilhante) Queixumes (valsa característica). Primeiro
Hino do Estado de Alagoas, apresentado em 15/12/1889, composto para ser
executado pela Filarmônica dos Artistas, foi executado pela Euterpe Alagoana,
em récita da Sociedade Dramática Particular Pantheon Alagoano; Em Pleno Luar,
para dois violinos (ou bandolins) e piano, Victor Préalle & Cia. - PE e
Préalle & Comp. 5. Discografia: Momentos Musicais - De Carlos Gomes a
Nazareth - 1897 e Vaporosa, valsas, Joel Belo Saores, piano, LP FENAB-002;
SALGEMA - Valsas, Polkas e Mazurkas - A Música Alagoana do Ínicio do Século -
Innahsinha, Arrulhos, Última Ilusão, valsas e Mazurka, Rio de Janeiro: 1987,
Joel Bello Soares, piano, LP 992624-1; Recordações de um Sarau Artistico - Em
Pleno Luar, serenata - Marena Isdebski Sales, violino, Nivaldo Francisco de
Souza, flauta e Joel Bello Soares, piano LP FENAB - 109; Sônia Maria Vieira
Revela Misael Domigues - Besinha, polca; Revelação, romance; Gentil, pas de
quatre; Lágrimas de um Anjo, mazurca sentimental; Nilza, valsa; Brazileira,
polca; Yolita, polca; Doux Souvenirs; Polka dos Calouros; Olha o Urso, polca e
Saudade, valsa, Sônia Maria Vieira, piano; LP SMV- 001.
Capa da partitura da
polca "Brasileira", editada por Victor Préalle, Sucessor, no Recife.
Capa da partiruta da
polca "desinha", publicada na revista
O Philarista.
Como
engenheiro, atuou nas Estradas de Ferro Norte de Alagoa. Sul de Pernambuco;
Central de Caruaru e Alcobaça à Praia Rainha, no Pará. Durante muitos anos foi
engenheiro chefe das obras públicas do Estado de Pernambuco e técnico da
Inspetoria de Portos, Rios e Canais.
Uma
importante artéria da cidade de Maceió recebeu o nome de Misael Domingues. É a
rua que liga a Barão de Atalaia à Av. Dep. Humberto Mendes (marginal do riacho
Salgadinho), onde se situam o IFAL (antiga Escola Técnica) e o Posto de
Assistência Médica conhecido com PAM SALGADINHO.
Em 1978, a RGE, com
produção do maestro Guerra Peixe, lançou um LP da pianista Sônia Maria Vieira
com suas principais obras: SÔNIA MARIA VIEIRA REVELA MISAEL DOMINGUES.
Sônia Maria
Vieira, pianista intérprete de Misael Domingues. Jornal do Brasil, 14 de julho
de 1980.
Capa do disco de
Sônia Maria Vieira.
Fontes: Francisco
Reynaldo Amorim de Barros, em seu ABC DAS ALAGOAS; Francisco Duarte para o
Jornal do Brasil (14 de julho de 1980); memoria.bn.br.
_________
NOTA. Após a publicação deste artigo, recebi, do meu prezado amigo pesquisador Davi Roberto Bandeira, uma carta do Governador Muniz Falcão endereçara ao Dr. Alpheu Domingues (filho de Misael), em que lamenta a impossibilidade de realização da homenagem pela passagem do seu Centenário. Fica, então esse registro, conforme fac-simile da referida carta.
Carta do Governador Muniz Falcão ao Dr. Alpheu Domingues.
[i] Orbe,
16 de julho de 1884.
[ii]
Orbe, 6 de agosto de 1884.
[iii]
Diário de Notícias, RJ, Suplemento Literário, 2 de novembro de 1957.
[i]
Essa loja foi fundada pelo italiano Domenico Filippone, que chegou ao Rio de
Janeiro, procedente de Trapani em fevereiro de 1834 e se estabeleceu, a partir
de 1847, com uma imprensa musical na Rua dos Latoeiros, 59. A seguir, passou
para a Rua do Ouvidor, 101 (depois alterado para 93), com o nome de Filippone
& Cia e, a partir de 1855, “Filippone & Tornaghi”, ao admitir como
sócio o músico italiano Antônio Tornaghi. Com seu falecimento em 1874, passou a
denominar-se sucessivamente “Herdeiros de Filippone”; “Viúva Filippone” e “J.
Filippone Filha”.