quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

TEIXEIRA DA ROCHA, O CARICATURISTA DA REPÚBLICA

Por Etevaldo Amorim

Ele retratou, com traços precisos e inconfundíveis, o período de transição política do Império para a República. Na revista Vida Fluminense, da qual foi um dos fundadores, e ao lado de caricaturistas famosos como Vale[i] e Hilarião Teixeira[ii], tratados como “redatores artísticos”, ele nos legou a imagem fiel dos embates políticos que se travavam no Brasil daquela época e o retrato de muitas personalidades que fizeram a história do Brasil. A pintura, na qual se destacou em grande estilo, também era um talento revelado desde a infância. Era um desenhista nato. “Em Teixeira da Rocha, o desenho era a linha mestra sobre a qual repousava o edifício da sua pintura”.[iii]

Manoel Teixeira da Rocha. Foto: Revista da Semana, Ano XLII, nº 18, 3 de maio de 1941.
Manoel Teixeira da Rocha nasceu em São Miguel dos Campos a 15 de outubro de 1863, filho de Pedro Teixeira da Rocha e de Maria Rosa de Jesus Rocha, ambos professores naquela pequena localidade alagoana. Eram seus avós paternos major Manoel Casimiro da Rocha e Joanna Maria da Conceição Rocha.
Teixeira da Rocha faleceu no Rio de Janeiro em 18 de abril de 1941.

Ainda criança, em 1870, órfão de pai, foi com a família para o Rio de Janeiro. Lá, sob a proteção do tio, o futuro Barão de Maceió (Dr. Antônio Teixeira da Rocha, professor da Faculdade de Medicina), ingressou, em 1878, no Lyceu de Artes e Ofícios e, em 1881, na Imperial Academia de Belas Artes, onde teve aulas de Victor Meireles e José Maria de Medeiros. Sobre essa sua época de Academia, disse Escragnolle Dória, na Revista da Semana de 3 de maio de 1941: “Em todos os estabelecimentos de ensino há duas espécies de alunos: os que se matriculam por se matricular, e os que o fazem para estudar. A esta classe pertenceu sempre Teixeira da Rocha”.
Sua primeira exposição ocorreu em 1884 e, já em 1887, concorreu ao prêmio de viagem, ao lado de Oscar Pereira da Silva, Hilarião Teixeira, Pinto Bandeira e Eduardo de Sá. Nesse concurso, os cinco candidatos finalizaram empatados. Só em 1900 foi que Teixeira da Rocha viajou, a suas próprias custas, para Paris, onde estudou com Jean-Paul Laurens e Benjamin Constant. Tornou-se, como tantos outros artistas brasileiros, bolsista do Imperador D. Pedro II.
Em 1888, segundo o Diário de Belém, de 13 de julho de 1888, foi nomeado Auxiliar Interino de Desenho Topográfico e de Marinha da Escola Naval, e, em 1891, foi nomeado Professor de Desenho Linear da Companhia de Aprendizes Artífices do Arsenal de Guerra da Capital, conforme o jornal O Brasil, de16-17 de fevereiro de 1891. Nessa ocasião, dirigiu-se ao Imperador e pediu para suspender o seu auxílio. O bondoso monarca ainda o aconselhou a continuar recebendo por algum tempo, mas, ante a peremptória recusa do beneficiado, atendeu ao seu pedido.
Durante a Exposição Universal de Paris de 1889, contando 26 anos de idade, Teixeira da Rocha recebeu medalha de ouro – a distinção mais elevada recebida por um brasileiro em eventos internacionais até aquela época. No Salão de 1898, recebeu também uma medalha de ouro de terceira classe, por seu esboço “A Lei de 28 de setembro” e um grupo de paisagens.
Em 1891, casa-se com Maria Luiza de Albuquerque Palhares (Filha de Maria de Albuquerque Palhares, falecida em 1912. Fonte: O Apóstolo, 10 de abril de 1891, p. 3), com quem teve os filhos Armando, Renato (casado com Adelina Pette Ciuffo), Laura (casada com Almério Pinto de Albuquerque), Osvaldo (que se tornaria também pintor), Manoel, Odete (casada com Luiz Santos) e Hilda (casada com o Dr. Alberto Francisco Canejo). As duas eram exímias pianistas. A primeira, tornou-se professora de música, e a segunda, formada no Instituto Nacional de Música, era artista muito requisitada nos eventos da sociedade carioca de então.
Hilda Teixeira da Rocha, pianista, filha de Teixeira da Rocha. Foto: revista Careta, ano XV, nº 708, 14 de janeiro de 1922.

Durante a Exposição da Escola de Belas Artes de 1899, Teixeira da Rocha concorreu ao prêmio de viagem à Europa, mas não conseguiu por ter excedido da idade máxima permitida pelo Regulamento. Então, o Dr. João do Rego Barros ofereceu-lhe a viagem, conforme registra a Revista A Estação, Ano XXVIII, nº 24, Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1899, p. 14.
Foi assim que, afirmando uma significativa interação entre artistas brasileiros e portugueses, o caricaturista Julião Machado (Luanda, 1863 – Lisboa,1930) escreve esta carta para Rafael Bordalo Pinheiro (Lisboa, 1846 – Lisboa, 1905), recomendando Teixeira da Rocha:
“Segue neste vapor para Paris (creio que com alguma demora em Lisboa) o Teixeira da Rocha, um artista brasileiro muito consciencioso que vai ser subsidiado pelo Rego Barros. É de supor que este o procure e então melhor do que por mim saberá notícias daqui. Este tenciona demorar-se na Europa dois anos e eu espero bem, (porque sei de quanto são capazes a sua força de vontade e a sua excelente aptidão que esta viagem há de fazer deste um artista notável (...). Não ocuparia a sua atenção com o Teixeira da Rocha que o meu querido amigo aqui conheceu desta vez se este, além ser um valente carácter de homem e de amigo, não fosse um verdadeiro artista, já muito conceituado por cá. Além de tudo isto, creio que não lhe será desagradável a si, ter o ensejo de, com a sua tão generosa afabilidade, e com os seus preciosíssimos conselhos, animar um artista brasileiro que vai a Europa pela primeira vez e que – naturalmente – lutará com o tédio e talvez com o desalento. ”[i]
Conquistou a Medalha de Ouro na Exposição da Academia, com seu quadro A Horta. Esse quadro, lamentavelmente, desapareceu. Confiando-o ao uma comissão de artistas franceses que visitava o Brasil, e autorizando que eles o expusessem em Paris, nunca mais soube notícias dele. Nem mesmo quando foi, pessoalmente procura-lo na Cidade Luz.
Além da sua participação na revista Vida Fluminense, atuou também no Monóculo e na publicação especializada, fundada e dirigida por Alvarenga Fonseca, a Revista Theatral, quem tinha também como ilustradores: Bento Barbosa, Pereira Neto, Ricardo Casanova, Helios Seelinger e Julião Machado. Em 1907, publicou charges e composições satíricas na revista Tan-Tan. Sua assinatura variava entre o “Teixeira da Rocha”, “Txrª da Rocha” ou simplesmente as iniciais “T. R”.


[i] Oitocentos, Intercâmbios culturais entre Brasil e Portugal, de Arthur Valle, Camila Dazzi e Isabel Portella. 2ª edição, CEFET/RJ, 2014.

Charge de Teixeira da Rocha ilustrando o episódio da prisão e ferimento do Barão de Ladário, Ministro da Marinha do Império. Vida Fluminense, de 17 de novembro de 1889.
Capa da revista Fida Fluminense com o Dr. Cesário Alvim, Ministro do Interior, o bisavô (mineiro) de Chico Buarque de Holanda por parte de sua mãe (Maria Amélia Cesário Alvim Buarque de Holanda).

Outra capa da Vida Fluminense, de 8 de fevereiro de 1890, com o Senador Francisco Glycério (1846-19160, Ministro dos Transportes e da Agricultura de 1890 A 1891.

Teixeira da Rocha, conhecido no meio artístico por “Rochão”, numa alusão ao seu porte físico avantajado (1,90 m de altura)[i], tinha, como traço marcante do seu caráter, a independência. “Não se escondia para dizer nem para manifestar sentimentos. O que estava no coração lhe via à boca, em louvor merecido ou condenação rude. ”, disse Escragnolle Dória.
Aqui uma capa da mesma revista, de 2 de janeiro de 1890, homenageando a Imperatriz Tereza Cristina, pouco depois do seu falecimento, no Porto (Portugal), em 18/12/1889.

O alagoano Ladislau Netto, retratado por Teixeira da rocha na Vida Fluminense, Ano II, Nº 18, 18 de janeiro de 1890.
Suas obras mais conhecidas são: A Horta, Praia de Santa Luzia, Pescaria, Costura, Aula à Note, Paisagem de Petrópolis, Fundos do Arsenal de Guerra, Abolição da Escravatura e Vista de Copacabana; além de Interior de Paris e Rio Sena.
A Lavadeira.

A Carta.

A Leitura.

Cabeça de velho.

Castelânea, Petrópolis.

Chácara, 1897. Quadro de Teixeira da Rocha.

Pescaria, 1900.

Casas com riacho.

Natureza morta, Pêras.

Modelo de academia.

Minha família, 1899.

Paisagem, Paris, 1902. Quadro de Teixeira da Rocha

Retrato de um pintor brasileiro, 1886. Quadro de Teixeira da Rocha.

Sagrada missão, 1900.


Vista da Quinta da Boa Vista, 1906. Quadro de Teixeira da Rocha.





[i] Don Quixote (publicação de Ângelo Agostini), Ano V, nº 95, 23 de setembro de 1899, p. 3.

[i] Antônio Alves do Vale de Sousa Pinto, português, nasceu em 1846 e veio para o Brasil em 1859. Era paisagista, retratista, desenhista, caricaturista, litógrafo e irmão do pintor português José Júlio Sousa Pinto. Fonte: Angelo Agostini: crítica de arte, política e cultura no Brasil do Segundo Reinado (em inglês, p. 236) ROSANGELA DE JESUS SILVA.
[ii] Pintor, desenhista e caricaturista, Francisco Hilarião Teixeira da Silva, nasceu em 1860 em Santana de Pirapitinga, MG, e faleceu em Campos, RJ, em 1952. Fonte: Um Século de Pintura, de Laudelino Freire.
[iii] Tapajoz Gomes, “Artistas de Outros Tempos”, revista Ilustração Brasileira, Ano XXI, nº 99, Rio de Janeiro, julho de 1943, p. 38.

sábado, 5 de dezembro de 2015

ÚLTIMA MENSAGEM DE BRÁULIO CAVALCANTE

Valdemar de Souza Lima[i]

Há uma criatura – luminar das letras provincianas, desaparecida prematuramente, e que nunca deixou de ser uma das companheiras mudas das minhas horas de meditação: é Bráulio Cavalcante.
E, contudo, não conheci Bráulio pessoalmente, antes de mais por que ele não pertenceu à minha geração catingueira mal amanhada.
Numa tarde de verão de 1912, quando já ia longe o desmoronamento da oligarquia então reinante em Alagoas, no pátio do engenho pacato e doce como o próprio açúcar que ele produzia e onde por acaso me encontrava passando uma chuva, eis que um sujeito se pôs a contar dos trepidantes sucessos de Maceió e do assassinato, frio e covarde, do jovem e inditoso pensador conterrâneo.
O fato gravou-se fundamente na minha na minha sensibilidade e creio que dai brotaram as ligações espirituais que ainda me estreitam à memória do moço sertanejo, tão cedo desaparecido. Eu era menino, analfabeto e tímido como ninguém, mas essa circunstância só fez contribuir para que o impacto que deu causa à tragédia que o levou me marcasse mais firmemente ainda.
Anos depois, ouvi de outro indivíduo o relato do enterro de Bráulio Cavalcante. Disse-me essa testemunha ocular do lutuoso episódio que nunca experimentara comoção igual.
O féretro partira da Igreja do Livramento e toda a população da capital, num impressionante movimento de protesto e solidariedade humana, se mobilizara para conduzir ao Campo Santo aquela grande esperança da terra, ceifada quando mal despontava para a vida. Era difícil surpreender olhos enxutos. Mesmo as pessoas mais sisudas não podiam se conter.
Agora, alinhavando daqui esta crônica, vêm-me à mente, por uma natural associação de ideias, outra versão relacionada à morte do grande pão-de-açucarense e que já se acha de muito incorporada ao folclore sertanejo.
Na casa dos Cavalcante, na cidadezinha são-franciscana, pouco depois de ter sido ele cruelmente imolado no fatídico comício da Praça dos Martírios, em Maceió, a família se reunira em torno à mesa para a refeição da noite.
Ana — a “mãe-preta” de Bráulio, e que o adorava, saia nesse instante da cozinha, conduzindo um prato de arroz quando, ao cruzar o corredor que ligava os duas peças, súbito soltou um grito de pavor e caiu desmaiada.
Atraída pela inesperada ocorrência, a família precipitou-se em seu socorro. Que teria acontecido? Lançou-se mão, com a presteza que o caso exigia, do tradicional dente de alho para enchumaçar as narinas da mulher e vigorosas fricções foram aplicadas aos seus pulsos flácidos.
Quando, afinal, recuperou os sentidos, Ana partiu em pranto convulso, exclamando em altos brados:
— Mataram “meu filho”! Mataram “meu filho”!
Os circunstantes fixaram-na atônitos, ao passo que a negra entrava em explicação:
— Vi “meu filho” quando se dirigia para a cozinha, ao meu encontro; tinha os cabelos em desalinho e trazia uma enorme mancha de sangue em cima do peito. Ana! Eu já morri, disse-me tristemente. Eu já “morri”!
Ainda não se tinha de todo dissipado a atmosfera de mal-estar motivada pela lúgubre visão da “mãe-preta”, quando o estafeta do Correio local bateu na porta, emocionado, trazendo preso entre os dedos trêmulos o despacho fatídico e que era, sem mais nem menos, a confirmação da tragédia momentos antes, a uma alma simples, misteriosamente revelada.
Bráulio Cavalcante, poeta e tribuno, mocidade vitoriosa e orgulho da sua gente, tinha sido riscado do mundo dos vivos.
________________
Publicada no Jornal de Alagoas, 14 de novembro de 1954. Agradecimentos ao pesquisador Davi Roberto Bandeira da Silva pela cessão do texto original.
Bráulio Cavalcante em sua formatura na Faculdade de Direito do Recife em 1911. 
Acerco de Homero Cavalcante, seu sobrinho-neto.

Funeral de Bráulio Cavalcante. Fonte: revista O Malho, 6 de abril de 1912.

Multidão acompanha o enterro de Bráulio Cavalcante.




[i] Valdemar de Souza Lima, tabelião, funcionário público, jornalista, nasceu no pequeno povoado de Salomé (então pertencente ao município de Igreja Nova), hoje município de São Sebastião, cidade localizada na parte sul do Estado de Alagoas, no dia 20 de fevereiro de 1902, como filho de José Virgílio de Souza Lima, pequeno comerciante, agricultor e criador de semoventes, e de Josefa Leite de Souza Lima, professora pública estadual. Faleceu em Brasília 17 de julho de 1987, onde passou a residir a partir de 1967. Colaborou em periódicos. Pertenceu. À Associação Nacional de Escritores e é Patrono da Cadeira Nº 12 da Academia Palmeirense de Letras, ciências e Artes. Bibl.: Graciliano Ramos em Palmeiras dos Índios, 1971; O cangaceiro Lampião e o IV mandamento, 1979. Faleceu em 12 de agosto de 1986.Fonte: ACADEMIA PALMEIRENSE DE LETRAS, CIÊNCIAS E ARTES e ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ESCRITORES.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia