Por
Etevaldo Amorim
As
principais povoações do baixo São Francisco, primitivas Vilas que galgaram a
condição de cidade e Sede de Municípios, como Piaçabuçu, Penedo, Igreja Nova,
Porto Real do Colégio, São Brás, Traipu, Belo Monte, Pão de Açúcar e Piranhas (só
para falar das alagoanas, situadas à margem esquerda), contemplam em seu
território alguns povoados que, embora ainda se mostrem acanhados em seu
desenvolvimento, trazem consigo um cabedal imenso de conteúdo histórico, muitas
vezes desconhecido.
Vez
por outra, encontramos registro de fatos ou mesmo menção expressa a algumas
dessas localidades, verdadeiros achados, indispensáveis para a formação
historiográfica da nossa Região.
É
o caso dessas notas publicadas pelo Cônego Theotonio Ribeiro e Silva no jornal
A Pyrausta, de propriedade do pão-de-açucarense Moreno Brandão – Maceió, 4 de
abril de 1917, em que descreve o Povoado Lagoa Comprida, município de São Brás,
Estado de Alagoas. Pela sua originalidade e conteúdo, preferimos transcrevê-la
na íntegra, apenas acrescentando alguns esclarecimentos ou atualizações.
Capela de São Sebastião, Lagoa Comprida-São Brás-AL-Vídeo Gustavo Lucena(YouTube) |
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Já
no princípio do século 18 havia na Lagoa Comprida, à margem esquerda do Baixo
S. Francisco, um aldeamento de índios – os Carapotós – além de mais algumas
outras aldeias com sede no Colégio (Porto Real)[i], na Barra de Traipu, em
Pão de Açúcar (Pam de Assuquar), em Itacaratu e na Lagoa da Serra do Comonaty
(território de Águas Belas)[ii], aldeamentos esses que
ficavam todos dentro do terreno da Vila do Penedo, que abrangia também a
Freguesia do Poxim, separando-se precisamente então a Comarca das Alagoas da de
Pernambuco, pelo sertão, em a serra de Comanaty.
Estavam
todas aquelas missões a cargo de Missionários seculares, sacerdotes do Hábito
de S. Pedro, afora a do Colégio, que sempre se manteve sob a direção de
Religiosos da Companhia de Jesus, vulgo jesuítas.
Pelos
livros antigos do arquivo da Freguesia de N. Senhora do Ó do Traipu, sabemos
hoje que já em 1730 todas aquelas aldeias faziam parte da mesma Freguesia, a
qual por seu turno fazia parte do distrito do Penedo; constando, outrossim, que
já naquele mesmo ano eram dez na comarca das Alagoas, as Freguesias existentes,
a saber: S. Bento, Porto Calvo, Camaragibe, o Curato de Santo Antônio Meirim
(Pióca), Santa Luzia, Alagoas, São Miguel, Curato de Poxy (Poxim), Penedo e N.
Senhora do Ó.
A
paróquia, pois, de N. Senhora do Ó devia conter naquele tempo em sua periferia
os territórios das atuais Freguesias de S. Brás, Colégio, Belo Monte, Pão de
Açúcar, Santana do Ipanema, Sertãozinho, Mata Grande, Água Branca, Águas Belas
e Tacaratu, contando-se entre suas sete capelas filiais a de N. Senhora dos
Prazeres da Barra do Panema, construída em 1624.
Sendo
seu primitivo nome “Nossa Senhora do Ó” ou “N. S. do Ó do Saco”, por ter sido o
“Saco do Medeiros” sua primeira sede oficial, segundo consta da tradição e dos “Anais
da Biblioteca Nacional” – começou a denominar-se N. S. do Ó do Porto da Folha
logo em 1746, e N. S. do Ó do Traipu desde 1770 até os nossos dias.
Povoado Lagoa Comprida, São Brás-AL |
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Antiquíssimo
– como de fato o é – o Povoado da Lagoa Comprida, fez ele primitivamente parte
da Freguesia do Penedo, passando depois a pertencer à do Traipu com a criação
desta última Freguesia, e achando-se de presente incorporada à de São Brás.
Povoação
de bela perspectiva, com ótimo porto de embarque e uma capela bi-secular de
pedra e cal dedicada a São Sebastião desde seus inícios – está assentada ao
ocidente de uma lagoa de um quarto de légua, da qual lhe adveio o nome de
Alagoa Comprida, como protesicamente se escrevia outrora.
Possui
cerca de 200 fogos, se não mais, e também há lá uma cadeira de primeiras
letras, para ambos os sexos, cuja criação data de tempos mui remotos, que se
não pode bem precisar.
Não
faz muitos anos que funcionava ali com muito progredimento uma importante
fábrica de descaroçar algodão, havendo também uma concorridíssima feita
semanal, que acabou por ficar suplantada pela atual feita de S. Brás.
Foi
ainda celebrado o nosso povoado pelos especiais chapéus de couro e afamados
calçados de pobres, que em grande quantidade ali se fabricavam numa vasta
oficina em que mourejavam numerosidade de sapateiros- indústrias estas que
havendo decaído com a emigração espontânea do pessoal em alta escala para os
seringais do Amazonas, foram substituídas pela do fabrico de tamancos, que
fizeram sua época, porém tiveram de desaparecer por sua vez.
Pelo
que respeita à lavoura, é ela mais ou menos regular, produzindo o terreno muito
milho e legumes, além de mandioca, algodão, mamona, e subproduto o arroz, sendo
todos os gêneros, inclusive os cereais, exportados para a cidade do Penedo e
outras praças comerciais.
Há,
outrossim, terrenos apropriados para a criação, sendo muito substancioso e
delicioso o leite de gado, que ali vive desassombradamente a pascer, sem que
haja a mínima desavença entre lavradores e criadores.
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Conquanto
se veja hoje dizimada a população da Lagoa Comprida com a leva quase periódica
e ininterrupta de seus moradores para a região do Amazonas e limítrofes, e a
despeito mesmo de sua relativa decadência, - uma glória no entanto não se
poderá jamais contestar àquela povoação, porquanto nos diz a História que lhe
coube a honra de haver sido a primeira sede, bem que provisória, da Freguesia
de N. Senhora do Ó, e isto no correr de vinte anos a mais, - tantos quantos ali
pastoreou o primeiro pároco do Traipu, o Pe. João Ferreira Bello, que era
Licenciado pela Universidade de Coimbra, Vigário da Vara e Colado, e vencia em
cada ano 50$000 de “ordenado e ordinária”, vindo a falecer com cerca de 80 anos
a 29 de dezembro de 1750.
Por
haver servido de Matriz por vários anos a capela da Lagoa Comprida, segundo
ficou dito, - teve aquela hospitaleira e sadia terra a altanada honra de
hospedar e acolher em seu seio vários Visitadores diocesanos e entre eles, o
Reverendo José da Cruz Monteiro, em outubro de 1738; o cônego Dr. Antônio Saraiva
de Leão, em setembro de 1740; o reverendo F. Azevedo, em agosto de 1742; o Dr.
Antônio Soares Barbosa, em setembro de 1744 e 1748; o Dr. Félix Machado Freire,
em outubro de 1746; e J. Machado, em setembro de 1750, ano de trespasse do
veterano e venerando Vigário Bello, que legou para sua dileta Matriz um cálice
de prata com a respectiva patena e uma imagem de Santa Ana, além de um exemplar
da Constituição do Arcebispado, que já não existe.
Em
compensação do que respinguei e aí deixo exarado, poder-se-á ler o vol. XXVIII
dos Anais da Biblioteca Nacional, pgs. 321, 412, 428 e 463; bem como o
fascículo do Instituto Arqueológico e Geológico Alagoano, correspondente a
junho de 1904; e também o vestuto arquivo da Freguesia do Traipu, as três
fontes históricas a que me socorri para delinear o objetivo destas
despretensiosas Notas.
Cônego
Theotônio Ribeiro e Silva
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THEOTONIO RIBEIRO E
SILVA. Filólogo, latinista e historiógrafo. Filho do Cel. Theotonio Ribeiro e
Silva (+1878) e de Maria Lucinda da Silva. Tinha como irmãos os juristas
Aureliano Antônio Ribeiro e Silva e Deocleciano Augusto Ribeiro e Silva. Nasceu
em Penedo. Ordenou-se em Roma e exerceu, com a maior competência, o magistério
do Seminário de Olinda. Foi também Lente Substituto da Cadeira de Latim
existente em Penedo.
Entre suas obras, ressalta-se à referente aos limites entre Alagoas e Pernambuco; bem como o Esboço Biográfico do Padre Francisco José Correia de Albuquerque, lendário taumaturgo, Presbítero Secular do Hábito de São Pedro, conhecido vulgarmente por Santo Padre Francisco. Nascido, talvez, em 1757, em Penedo-AL, “que morreu em ardor de santidade, deixando imperecível tradição de suas grandes virtudes nas paragens sanfranciscanas.”[iii] Além dessas, um Dicionário de Brasileirismos, cujos originais estavam depositados no arquivo da Academia Brasileira de Letras.
Em 1877, esteve em Roma
por ocasião das comemorações do quinquagésimo aniversário da sagração episcopal
do Papa Pio IX. Por carta imperial de 24 de agosto de 1882, foi empossado na
Cadeira de Meia Prebenda do Seminário de Olinda, tendo feito renúncia dos seus
benefícios e, a 26 de fevereiro de 1883, do próprio cargo.
Foi vigário de Santana do
Ipanema, Triunfo (atual Igreja Nova) e Penedo até 1904, quando foi substituído,
a seu pedido a D. Antônio Brandão, pelo Padre Manoel Vieira Ribeiro. Em 1905,
esteve à frente das obras de construção da Igreja de Santo Antônio do Barro
Vermelho, em Penedo, que se concluiu quase que totalmente às suas expensas. Manteve,
no Penedo, a obra do Pão de Santo Antônio, que distribuía entre os pobres Ensino,
vestes, alimentos e apoio espiritual.
Sobre ele, e a propósito
de sua reconhecida dedicação à caridade, transcrevemos o Diário de Pernambuco,
de 8 de março de 1928:
“UMA
OBRA BENEMÉRITA – Há em Penedo um sacerdote, que junta à mais lúcida
inteligência e à cultura mais vasta e profunda, o verdadeiro sentido evangélico
da caridade.
Sem
gestos nem atitudes que o recomendem à popularidade derivada da simpatia que se
pode inspirara, o levita do Senhor veio, entretanto, para o bem a que se
entrega com demasiado fervor, não trepidando em sacrificar aos seus desígnios
filantrópicos os seus reditos, a sua saúde e o seu conforto.
Esse
filantropo e erudito é o cônego Dr. Theotônio Ribeiro e Silva.
Cultor
das ciências eclesiásticas, tem notório preparo em assuntos teológicos do que
há dado exuberantes demonstrações.
Prezando
muito o idioma vernáculo, estudou-o a fundo, elucidando, em artigos magníficos,
diversos pontos obscuros do mesmo idioma.
O
seu patriotismo insigne levou-o a se dedicar vorazmente ao estudo da história
pátria, sobre a qual já tem escrito valiosas monografias, tratando
principalmente de assuntos regionais.
O
Cônego Theotonio Ribeiro e Silva é também excelente latinista e conhece não só
o grego antigo como o moderno, que aprendeu, transpondo quotidianamente o São
Francisco para receber lições de um grego que morava na cidade de Vila Nova
(atual Neópolis-Sergipe).
Em
uma dessas viagens, o dedicado sacerdote teve a desventura de naufragar,
escapando miraculosamente da morte.
Se
pelo conjunto de seus predicados morais e intelectuais, é o virtuoso ministro
de Deus verdadeiramente digno da admiração de seus conterrâneos, o seu altruísmo
tornou-o merecedor das bênçãos da pobreza a que ele tem liberalizado as mais fartas
esmolas.
Com
o intuito de ir em socorro dos numerosos indigentes que moram no bairro proletário
do Barro Vermelho, em Penedo, S. Reverendíssima criou, no mesmo ponto, a Pia
União de Santo Antônio dos Pobres, erigindo uma igreja, fundando aulas,
socorrendo famílias necessitadas, liberalizando tratamento médico aos enfermos,
enterrando pessoas falecidas em estado de miserabilidade.
E
tudo isso tem sido feito à custa dos seguintes minguados subsídios: arrecadação
dos zeladores – 1:125$400; rendimento do cofre – 590$540; subvenção do Estado –
372#500; ofertas de diversos devotos; rendimento dos prédios – 1:320$000.
Como
se vê, a obra realizada pelo Cônego Dr.Theotonio Ribeiro e Silva é realmente
valiosa e evidencia o seu altruísmo.”
Em 1919, foi nomeado Governador
do Bispado do Penedo, onde faleceu a 20 de junho de 1929, aos 74 anos. Outras
fontes dizem ser 64 anos[iv].
*** ***
Caro leitor,
Este Blog, que tem como
tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas
resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da
competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso
algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que
faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário
registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.
[i]
ACCONANS. Esta tribo ocupou outrora o Distrito de Lagoa Comprida, na Província
de Pernambuco, depois instalou-se na freguesia do Colégio, às margens do Rio
São Francisco. Fonte: L’ART DE VÉRIFIER LES DATES – Depuis l’année 1770 jusq’a
nos jours, 1832. Paris. Biblioteca Nacional da França. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5754434g.r=%22lagoa%20comprida%22?rk=21459;2#
[ii]
Os Carapotós, que viveram na Serra de Cuminaty, na província de Pernambuco,
reúnem-se com os Acconans, nas margens do São Francisco. Fonte: L’ART DE
VÉRIFIER LES DATES – Depuis l’année 1770 jusq’a nos jours, 1832. Paris. Biblioteca
Nacional da França. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5754434g.r=%22lagoa%20comprida%22?rk=21459;2#
[iii] Diário
de Pernambuco, 17 de janeiro de 1924.
[iv] Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 22 de junho de 1925. Diário de Pernambuco, 21 de junho de 1929.