Prof. Moreno
Brandão¹
Árida, selvática, cheia
de ásperos fraguedos, sem uma nota que amenize o painel que se avista, é a
região que se contempla desde Piranhas até um pouco acima de Pão de Açúcar.
Em uma e outra margem
do São Francisco tudo é rocha, morros escalvados, de um conspecto hostilíssimo,
com uma pequena falda, em determinadas épocas verdejante, mas quase sempre
lembrando a terra combusta de que nos fala a Bíblia. É um pequeno trato de
terra que a cordilheira e o rio oprimem; a primeira, parecendo querer
sobrepor-se-lhe; o segundo, tragá-lo.
É nessa nesga pedregosa
e hispida de solo acidentado que jaz quase todo município de Piranhas, ao qual
empresta bulício e rumor a feira semanal que ali se reúne.
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Piranhas, 1910. |
Sede de uma estrada de
ferro, a obscura vila é um lugar morto, de topografia invulgar, onde os
acidentes do terreno apresentam frequentes contrastes, parecendo que a casaria
rui dos morros onde fora construída.
Trancada no muramento
do recinto, ilhada, não se impregna da atividade do povo, não lhe veicula os
largos surtos de expansão e trabalho, a Estrada de Ferro de Paulo Afonso. Ressonam
ambas, atormentadas pelo bochorno.
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Piranhas, 1910. Aspecto da feira. |
Abaixo de Piranhas, o
Entremontes pousa à margem do rio, na eterna sonolência das taperas, jungindo
administrativamente à primeira, na mesma vida soturna e inglória.
Menos ruvinhoso é,
contudo, o seu aspecto, parecendo a sua topografia tê-lo fadado a servir de
núcleo a um grande centro de indústria, cujos prodromos latejam por ora, mal se
deixando pressentir.
Desajudado e só, o
modesto povoado formou-se, agremiou moradores, teve fase de intensa energia,
longos colapsos... e vai definhando lentamente, até que um dia propício lhe
traga a revivescência, cujos elementos jazem ocultos no seio avaro do seu solo.
Mas nenhum nem outro têm ainda uma história cultural.
Simples entreposto
comercial, ao primeiro valeu o fato de ser banhado pela parte, onde, depois da
zona encachoeirada, começa a ser navegável o São Francisco.
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Entremontes, Piranhas-AL. Foto: Edgar C. Falcão, 1939. |
O segundo provém da
ação do Jesuíta que, passando ali para uma estância bucólica que lhe fora
provavelmente doada, entendeu montar um depósito de víveres sempre
convenientemente abastecido pelas canoas que abicassem ao porto do sítio, batizado
a princípio com o nome de Armazém. Recanto primitivo, onde o lirismo dos poetas
bem poderia achar assuntos para idílios e slogans, tem um grande fato glorioso
em sua história, que pode ser encerrada em duas linhas: foi o primeiro lugar do
Brasil que libertou todos os seus escravos!!!!
Seguindo em demanda da
foz do São Francisco, depois dos lugarejos descritos, encontra-se Pão de
Açúcar, a ridente Jaciobá dos chocós.
Nasceu de uma dádiva
régia de Dom João IV aos aludidos índios, aos quais os índios da aldeia próxima
da Ilha de São Pedro vieram, enciumados do presente, dar combate em que saíram
vitoriosos.
Expatriaram-se todos os
aborígenes do lugar, transladando a taba para um ponto fronteiro, a que deram,
pelas sugestões da nostalgia, o nome antigo da terra abandonada. Os caboclos de
São Pedro assenhoraram-se da data de terra habitada outrora por seus rivais.
O Governo de Portugal
extinguiu por decreto a aldeia de Jaciobá, mandou pôr em hasta pública em
Penedo as terras da referida aldeia, sendo arrematadas pelo Capitão-Mor João de
Souza Viera, que a cedeu a seu amigo Antônio Rodrigues Delgado, morador na
Barra do Ipanema. Antônio Rodrigues Delgado mudou-se para Pão de Açúcar, cujo
solo começou a lavrar.
Em 1853, já tendo algum
desenvolvimento a terriola, foi criada a Freguesia do Sagrado Coração de Jesus,
instituída a 28 de agosto do mesmo ano. Em virtude da Lei nº
233, de 3 de março de 1854, foi Pão de Açúcar elevado à categoria de Vila e
Termo Judiciário. Em 1877, foi constituído em cidade, recebendo no ano seguinte
a graduação de Comarca.
Pão de Açúcar é uma das
cidades mais lindas do Estado de Alagoas. O seu solo é plano e sem ondulações
notáveis. Quem desembarca nessa pitoresca cidade depara, em primeiro lugar, com
uma praia de areias fulvas que formam, ao poente, vastas dunas e medões, os
quais já se avolumaram tanto que ameaçavam submergir as casas, formando
montículos elevados no rumo do noroeste. As ruas da cidade são largas e ornadas
de frondescentes tamarineiros, copados gameleiros e encantadores flamboyants.
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Pão de Açúcar, 1907. Visita do Gov. Euclides Malta. |
É uma terra pobre e sem
movimentação, habitada por um povo inteligente, mordaz e chocarreiro. O estágio
de suas indústrias é incipiente e retardatário. A indústria pastoril e a extrativista
são as mais exploradas.
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Limoeiro, 1968. Foto: Jim Squires |
Ao município de Pão de
Açúcar pertence apenas um povoado que apenas desponta: Limoeiro. Junto a este
vilar fica Belo Monte, designação oficial de Lagoa Funda, erigida em um
montículo a cujas faldas se abrem lagoas muito férteis.
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Belo Monte, a primitiva Lagoa Funda. Fonte: IBGE |
Bojando para uma
enseada semi-circular, banha o rio o município mais pastoril de Alagoas, aquele
cujas pastagens criam os melhore tipos bovinos do Estado: Traipu.
É um lugar belo,
salubre, porém dissociado quase da comunhão com os demais municípios. Tem,
entretanto, muitos elementos de vitalidade, e o seu progresso será lento, porém
seguro.
Data sua fundação dos
fins do século XVII. Traipu envolveu, como quase todas as povoações marginais
do São Francisco, de uma fazenda de gado. Teve primitivamente a denominação de
Porto da Folha, posteriormente mudada na de que ora se usa.
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Traipu, 1875. Foto: Marc Ferrez. Disp. http://www.getty.edu |
São Brás e Colégio,
duas pobres localidades entregas à atividade única dos dissídios locais,
obscuramente vegetam na mendigues de que facilmente sairiam, se quisessem
aproveitar as benignas e ridentes dádivas da natureza.
Porto Real do Colégio,
ou simplesmente Colégio, representa a atividade do Jesuíta nos fatos iniciais
da história do povoado, pois foi de um aldeamento que os discípulos de Loyola,
visando intuitos de catequese fundaram, pelos meados do século XVII, que
despontou o município em questão. Despontou e se manteve sempre num estado
embrionário, numa estagnação lastimosa, como Piranhas, Pão de Açúcar, Belo
Monte, Traipu e São Brás, jungida à servidão de Penedo, cidade próspera e
florescente, a princesa do São Francisco.
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Penedo_Rocheira_O Malho, 16, 22.06. 1939. Foto Gaston Coelho. |
É um empório comercial
e industrial de valor, topograficamente muito acidentado, com lindos pontos de
vista, bons e vetustos edifícios, frequentado habitualmente por navios
costeiros. Parece a quem a divisa do rio, imponente e suntuoso presépio.
Foi, o seu solo, o
teatro de renhidas pugnas com os holandeses, em cuja expulsão aquela cidade foi
cooperadora eficaz. De todos os povoados erigidos pelos primitivos fundadores
da Capitania de Pernambuco, foi um dos que escaparam à inexplicável decadência
que assolou os demais.
Entre Penedo e a foz do
São Francisco ficam: Piaçabuçu e Pontal da Barra, constituindo um município, de
que o primeiro é a Sede.
Piaçabuçu é uma vila
arenosa, paupérrima, apenas da uberdade do seu solo propício à cultura da cana
de açúcar e do arroz e, malgrado a proximidade das salinas que tão bons lucros
poderiam dar.
Pontal da Barra consta de
uma população de pescadores junto à qual se exibe a luta perene do rio que
avança pelo mar e do oceano que estrondeia colérico, espumante, bravio, aos
corcovos, empinando a vaga, de nitente espuma coroada.
Prestar-se-ia o Pontal
da Barra para uma excelente estação balneária, porquanto fica junto ao Peba,
risonho lugarejo ensombrado de viride coqueiral e orlado de uma enseada
esplêndida.
Já fica longe o sertão:
tudo ali tem outras modalidades. Sente-se o influxo das
proximidades do Atlântico, reservatório inesgotável e precioso de infinitos
bens cedidos generosamente a quem tiver a coragem de afrontar-lhe as iras
incoercíveis e a instabilidade perpétua. Ali o vento, rugitando,
sacode os espatos dos coqueiros e as frondes do cajueiro, que verga carregado
de áureos cajus.
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Em quase todos esses
lugares mencionados é acabrunhante a pasmaceira que domina. Muitos deles
rotulados com a designação pomposa de cidade são miseras aldeolas, onde a
população semibárbara gasta os dias em palestras infindáveis nas tavernas
sujas, ou entregue a uma jogatina furiosa, em espeluncas escuras e sórdidas.
Não há decência, nem
conforto, nesses lugarejos a que falta igualmente o menor cunho de arte. Trabalha-se
pouco e goza-se ainda menos. São inúmeros os indivíduos sem profissão que
vegetam no meio de uma natureza convidativa, entregues ao ócio, vivendo de
expedientes ou agarrados a um mísero emprego, às vezes custeados pelo réditos
que obtém de uma taverna sem sortimento.
Para não dispenderem
maior esforço, reduzem ao mínimo as suas despesas, vivendo com uma parcimônia
assombrosa. Falta-lhes o menor estímulo para a luta da vida, em que entram
precocemente, sobrecarregados com o ônus da família imprudentemente
constituída. Dessa imprevidência, aliás, cientificamente explicada pelas
incertezas das estações, o resultado frisante é o êxodo quando sobrevêm as
longas temporadas sem chuva, e os gêneros alimentícios muito escassos têm um
preço fabuloso.
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Publicado no Diário de
Pernambuco, 18 de abril de 1936, p. 7. Disponível em
http://memoria.bn.br/DocReader/029033_11/19039
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(Pão de Açúcar - AL 14/09/1875 - Maceió - AL 17/08/ 1938). Historiador, professor, deputado estadual, jornalista, funcionário público. Filho de Felix Moreno Brandão e Maria de Aguiar Moreno Brandão