Por Etevaldo
Amorim
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Pão de Açúcar, 1869. Foto: Abílio Coutinho. |
Para falar dessa
importante personalidade, permitam-me que o faça na primeira pessoa, apenas
para demonstrar como dela tomei conhecimento.
Entre os anos de 1976/78,
estava eu trabalhando na cidade de Mata Grande, exercendo os misteres da minha
profissão de técnico agrícola na área de extensão rural. Convidado pelo Dr.
Paulo Félix de Souza, médico e diretor da escola cenecista local, passei a dar
aulas naquele conceituado estabelecimento de ensino, denominado Colégio
Normal Félix Moreno.
Interessei-me em saber
quem era o patrono da escola. Procurei a Secretária Valdeci Mendonça, que me
entregou uma folha de papel, datilografada em frente e verso, sem indicação de
autoria, contendo uma pequena biografia do “DOUTOR FÉLIX MORENO BRANDÃO”.
“MORENO BRANDÃO” me
lembrou o famoso historiador pão-de-açucarense, tão exaltado nos discursos
proferidos nas cerimônias cívicas, em Pão de Açúcar. E qual não foi a minha
suspresa ao constatar que se tratava do pai de Francisco Henrique Moreno
Brandão...
Transcrevo aqui o inteiro
teor:
“Era o Doutor Félix
Moreno Brandão filho legítimo do Capitão Anacleto de Jesus Maria Brandão e de
Dona Maria Francisca da Conceição Brandão, tendo nascido na cidade de Mata
Grande neste Estado a 26 de novembro de 1825 (?).
Iniciou seus estudos
preparatórios em 1850, matriculando-se na Faculdade de Medicina da Bahia em
fevereiro de 1853. A 29 de novembro de 1858, sustentou tese versando a mesma
sobre ciências cirúrgicas, acessórias e médica, tendo recebido o grau a 18 de
dezembro do mesmo ano[i].
Casou-se a 2 de março de
1863 com sua sobrinha Dona Maria de Aguiar Moreno Brandão.
As atividades que mais
ilustraram a personalidade do Doutor Félix Moreno Brandão foram, entre outras,
as seguintes:
Nomeado 2º Cirurgião do
Corpo de Saúde do Exército (posto que já exercia em Pernambuco desde 21 de
junho de 1860), a 2 de dezembro do mesmo ano foi promovido a 1º Cirurgião,
cargo que já exercia em comissão, por decreto de 1º de junho de 1867. Seguiu
para Pão de Açúcar a fim de se despedir da família e tomar parte na guerra do
Paraguai, no dia 15 de outubro de 1865. Foi promovido Major-Cirurgião de
Brigada do Exército, por merecimento, em campanha, por decreto de 20 de maio de
1869 e despacho do Delegado do Cirurgião-Mor do Estado de Pernambuco de 2 de
julho de 1870.
Por ocasião da guerra do
Paraguai montou, no Chaco, por ordem do Duque de Caxias, um hospital de sangue.
Pela sua dedicação e valor, fora condecorado com as medalhas da Ordem de Cristo
e de São Bento de Aviz.
Foi transferido, no mesmo
cargo, para o Pará e daquela província para o Ceará. Foi transferido para o
Amazonas e dali para Sergipe e finalmente, por despacho de 23 de julho de 1875.
Em 1878, exercia o cargo de Delegado do Cirurgião-Mor da Brigada do Exército na
cidade de Maceió[ii],
quando adoeceu de béri-béri, tendo falecido no dia 24 de agosto do mesmo ano,
às 8 horas e meia da manhã, na cidade de Pão de Açúcar.
Como médico, o seu raio
de ação não se circunscreveu à sua terra natal, estendeu-se por longínquas
partes do país, chegando até as terras paraguaias de onde trouxe o fatídico mal
que o vitimou.
Há outros fatos não menos
importantes na sua vida, que constam de notas particulares, como sejam:
- Durante a epidemia de
cólera-morbus, o governo prometeu a gratificação de 10.000$000 para quem fosse
tratar os doentes em Cruangi, Estado de Pernambuco. O Doutor Félix foi, cumpriu
abnegadamente o seu dever e recusou a gratificação.
- Consta igualmente ter
sido ele o comandante da praça de Assunção quando ali chegaram as tropas
brasileiras, por ser o oficial de mais alta patente naquele momento presente à
cidade paraguaia.
Sendo de notar uma das
particularidades mais tocantes de sua vida foi quando, numa operação, em
campanha, na amputação de um membro de um seu patrício, foi acometido de uma
forte dor, da qual procurando posição, foi salvo de um projétil que lhe
causaria a morte, se tivesse se mantido na posição em que se achava operando. Ele próprio atribuiu esse
feliz incidente a uma medalha milagrosa que sua esposa lhe tinha posto no
pescoço na hora de sua partida para a guerra.
Do seu consórcio, deixou
os seguintes filhos:
Manoel Caetano de Aguiar
Brandão, nascido na cidade de Recife a 8 de novembro de 1872, orador de grandes
recursos e polemista de valor, casado com dona Marieta Pinho Brandão, ambos
falecidos em Penedo deixando 8 filhos maiores.
Carolina Brandão Lisboa,
nascida em Pão de Açúcar a 28 de março de 1874, casada com o Senhor Pedro
Vieira Lisboa a 19 de dezembro de 1891 e falecida a 28 de junho de 1947 na
cidade de Maceió, deixando três filhos maiores.
Francisco Hemrique Moreno
Brandão, nascido em Pão de Açúcar a 14 de setembro de 1875, casado em primeiras
núpcias com dona Ascendina de Menezes Brandão, ambos falecidos, deixando dois
filhos maiores.
E finalmente Maria da
Nunciação Brandão Cavalcante, nascida em Maceió a 3 de outubro de 1877, casada
em 17 de janeiro de 1893 na cidade de Pão de Açúcar com o Senhor José
Venustiniano Cavalcante Filho, tendo ela falecido a 30 de dezembro de 1894 sem
deixar descendentes.
Foram seus irmãos: Manoel
Manoel Caetano de Aguiar Brandão, grande proprietário e chefe político em Pão
de Açúcar; Francisco Henrique Brandão, proprietário em Entre Montes; Padre
Matias José de Santana Brandão; Capitão Antônio Manoel de Castilho Brandão;
Agostinho José de Nevile Brandão; Joaquim da Natividade Brandão; e Doutor
Anacleto de Jesus Maria Brandão Filho, tendo todos com exceção do padre Matias
José de Santana Brandão, deixado honrosa prole; destacando-se valiosos rebentos
como D. Antônio Manoel de Castilho Brandão, 1º Bispo de Alagoas, professor e
grande escritor Francisco Henrique Moreno Brandão e tantos outros nas letras e
na política de Pão de Açúcar figuraram como astros de primeira grandeza.”
*** ***
Aldemar de Mendonça, em
seu Monografia de Pão de Açúcar, menciona que, ao regressar do Paraguai, foi
recebido em Pão de Açúcar com muita festa e banda de música.
Em 20 de maio de 1869,
por Decreto desta data, e sob proposta do Marechal de Exército Conde d’Eu,
Comandante em Chefe do Exército em operações no Paraguai, o Dr. Félix Moreno
Brandão foi promovido a 1º Cirurgião do Corpo Médico do Exército, por merecimento
em serviço de campanha. Na mesma ocasião, foi promovido a 2º Cirurgião o Médico
João Severiano da Fonseca, irmão do Mal. Deodoro da Fonseca.
*** ***
O QUE SE DISSE SOBRE
ELE...
POESIA Recitada na Igreja
Matriz da Cidade de Pão de Açúcar ao dar-se à sepultura o cadável do Doutor
FÉLIX MORENO BRANDÃO[iii]:
Cessou a voz do antiste e
o dobre lutulento.
Ouvi agora um canto
qu’entoa ao ilustre morto:
Prestai breve atenção,
amigos dedicados
Dos que, neste momento,
soluçam sem conforto.
Não foi um Rei da terra,
que, de cetro, trono e c’orôa
Cedeu, reverente, a
vermes - que tudo põem em pó;
Não foi fidalgo, nobre,
nem príncipe de sangue
Que em luxos e vaidades a
vida gasta só.
Nao foi - vulto gigante -
que anseia entrar na História
Com o peito vulnerado de
honrosas cicatrizes;
Não foi Pompeu nem
Gracelso – romanos destemidos –
Que c’roas enfeixaram, de
múltiplos matizes.
Foi mais que um Rei na
terra – o morto qu’ali vedes.
Há Reis que são de argila
– sem fé no coração;
Que com Leis férreas,
duras, esmagam seus vassalos:
Aquele que ali vedes não
foi Rei ... foi cristão.
A Igreja abriu-lhe os
braços – A cruz deu-lhe a beijar
À hora derradeira seu
sopro – foi... Jesus –
A esposa teve ao lado –
Uniu ao peito os filhos.
E assim viram seus olhos
brilharem à eterna luz!
Foi nobre – mas não esses
que insuflam sangu azul,
Linhagens, pergaminhos,
comendas e brasões,
Soldado da cruzada que
Cristo ergueu na terra.
Pacifica, sem ferro, sem
sangue e sem canhões!
Amou a Igreja e o Estado:
serviu a dois Senhores:
Com lealdade ao trono –
com fé viva ao altar.
Oremos, meus Senhores,
por alma de um cristão
Que vai, contrito e
humilde, no Paraiso entrar.
Oremos. É dever: que
irmãos somos em Cristo.
A prece é como o pranto;
são bálsamo p’ra as dores:
- Incensos mais que puros
– de aroma inebriante
São suas ânforas cheias
do mel de eleitas flores!
Oremos. É dever - Joelhos em terra! Oremos.
Que o coração foi sempre
bendita do Senhor.
Quem curva a fronte e
reza, te Deus dentro de si,
A encher-lhe a alma do
fogo de seu Divino Amor!
Pão de Açúcar, 25 de
agosto de 1878.
( A. I. G. F. M.)
Transcrito do Jornal do
Penedo, 13 de setembro de 1878.
*** ***
PEQUENO TRIBUTO DE DOR E
SAUDADE À MEMÓRIA DO DR. FÉLIX MORENO BRANDÃO.
Vítima de terrível
Beribéri, que zombou de todos os recursos da medicina, finou-se no dia 24 do
mês passado, nesta cidade, pelas 8 horas da manhã, a preciosa vida do distinto
médico Dr. Félix Moreno Brandão, um dos membros proeminentes da família do último
nome, neste município.
O Dr. Moreno, residente
na Capital desta Província, onde com esmero e dedicação exercia o importante
cargo de Delegado do Cirurgião-Mor do Exército, com sua dedicada esposa aqui
havia chegado no dia dez do dito mês, porém já em estado de intumescência tal
do corpo e dos membros, talvez produzida pela acumulação de serosidades no
tecido celular subcutâneo, que, em vez de encontrar alívio em nosso clima, como certamente esperava, o traiçoeiro mal
tomou proporções assustadoras, aparecendo-lhe de quando em vez algumas síncopes
e, afinal, a morte, essa terrível parca!
Foi assim que o distinto
discípulo de Hipócrates, o homem probo, o bom parente e amigo dedicado, no dia
24 de agosto, dia em que esta cidade sentiu os efeitos do mais acerbo pesar,
sucumbiu, entregando-se resignado, como verdadeiro cristão que era, nos braços
do Crucificado.
O vácuo deixado pelo Dr. Moreno é difícil de ser preenchido!
Deixou ele a extremosa
esposa inconsolável, alguns filhinhos menores na orfandade, que ainda bem não
podem avaliar a imensa perda, alguns irmãos e grande número de parentes e
amigos que se acham mergulhados na dor e sentimento.
A todos esses, nossas
sinceras condolências!
Pão de Açúcar, 11 de setembro
de 1878.
a) Um
amigo.”
Transcrito
do Jornal do Penedo, 11 de outubro de 1878.
*** ***
“O DR FÉLIX MORENO
BRANDÃO
Qual enregelado Zéfiro,
veio um silêncio sepulcral embargar-lhe os gozos da vida.
Pereceu, é verdade, o Dr.
Moreno! O vácuo que deixou entre a sociedade, amigos e parentes, será
dificilmente preenchido.
Altos juízos de Deus!
Oh! Morte!... quando
porás termo à tua peregrinação? ...
Sua ira, porem, será um
dia suplantada nos umbrais das dissoluções e o gume aguçado do teu alfange, suspensas
nas regiões aéreas do espaço imundo, permanecerá eternamente imutável.
À tua peregrinação supera
a consumação dos Séculos!
O nome do Dr. Moreno
ficará indelével e eternamente gravado na memória dos amigos; sua honra será
pranteada e retratar-se-á, por sem
duvida, nos seus corações.
Ao passo que sua
enfermidade se agravava, caminhava ele para a terra, que devia com seu pesado
manto cobrir-lhe o corpo inerte.
Ali rodeado de parentes e
amigos, com os braços abertos, como terno pai e carinhoso esposo, recebeu seus
inconsoláveis filhos e consorte que tanto pranteiam a sua ausência.
...
Como militar, sempre
soube o Dr. Moreno, com atividade e carinho de todos, desempenhar as diferentes
comissões para as quais fora nomeado.
Seus atos foram sempre
pautados sob uma norma de conduta, aplaudida dos honestos e sensatos.
As honrosas promoções à
sua ilibada conduta foram devidas.
Entre os vivos, pertencia
ele ao número dos bons; entre os mortos, é de se supor, fará parte dos justos. Talis
vita, finis ita.[iv]
Dorme o Dr. Moreno, em
mortuário leito, o tranquilo sono da morte! Aos gozos da vida, substituiu um
silêncio sepulcral.
Uma fria lousa lhe serve
de manto! Mas divisa-se, evidentemente, por entre os transparentes véus de
vosso ideal, que, morrendo, encetou uma nova vida de delícias. “A morte não
é um sono eterno, mas o começo da imortalidade.”
O Senhor, que sempre
soube premiar os justos, fazemos votos para que o acolha em sua Divina Morada e
aos da sua ilustre família damos nossos sinceros pêsames.
Porto Real do Colégio, 20
de setembro de 1878.
(a)
Manoel Martins Bizerra Brandão.”
Transcrito do Jornal do
Penedo, 2 de novembro de 1878.
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Hospital de sangue em Paso de Patria, Paraguai. |
*** ***
NOTA:
Caro leitor,
Deste Blog, que tem como
tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações
históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em
geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica.
Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em
qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas
fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências.
Isso é correto e justo.
[i] Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, defendeu a tese . APRECIAÇÃO DOS MEIOS OPERATORIOS EMPREGADOS NA CURA DOS POLYPOS DOS ORGÃOS SEXUAES DA MULHER. Fonte: Teses Doutorais de Titulados pela Faculdade de Medicina da Bahia, de 1840 a 1928.
[ii] Por esse tempo, mantinha consultório na Rua Augusta, 27 – Maceió-AL. Fonte: Almanak da Província de Alagoas – 1877.
[iii] Jornal do Penedo, 13 de setembro de 1878.
[iv]
"Talis vita, finis ita" é uma locução latina que significa "Tal
a vida, tal o fim" ou "Tal vida, tal morte". É usada para
expressar a ideia de que a forma como alguém vive impacta diretamente a sua
morte ou o seu final.