Por
Lêdo Ivo[i]
Penedo,
à margem do rio São Francisco, que lhe oferece, com o carinho de uma namorada,
águas que podem ser azuis como os céus de Minas Gerais e vermelhas como o barro
das enxurradas, é uma aventura geográfica em Alagoas. É a estrada para as
cidades belas e simples de Sergipe – Neópolis, de manhãs frias e campos verdes;
Propriá, com seu porto onde a noite anuncia a chegada das barcaças – e o
caminho para o alto São Francisco, o velho Opará, que levava os aventureiros a
cidades cobertas de ouro.
Penedo-AL, Igreja da Corrente, 1943. |
Em
Penedo há velhas igrejas onde o ouro está presente como sinal de uma grandeza
perdida, bangalôs em cujos jardins e boninas anunciam a chegada impressentida
da primavera, casas antigas onde passeiam fantasmas, procurando botijas enterradas
nos corredores malassombrados.
Agora,
meu amor, que nos encontramos entre os arranha-céus banhados pelo reflexo do
gás-néon, e nas avenidas tumultuosas os homens olham com temor este céu do Rio
de Janeiro que se cobre de nuvens pesadas, presença do temporal que desabará
dentro em breve, trago para os teus olhos claros estes cartões postais onde há
trechos da cidade querida, que só poderei atingir pelo caminho indeciso da
memória. Eu te ofereço estes postais, para que possas imaginar como é a cidade
morta.
OS
CÉUS SÃO CLAROS COMO OS DE BLEO HORIZONTE
Quando
estive em Belo Horizonte, havia um girassol perto da estação. Em Penedo, há
boninas e fícus-benjamins, porém, os céus são claros como os da cidade que
oferece girassóis aos viajantes. Dir-se-ia que o São Francisco, eternamente
grato à cidade querida, trouxe de Minas Gerais um céu diferente, mais belo do
que o de Maceió.
Esse
firmamento que inspirou os poetas parnasianos de minha terra, cobre a rua dos
Pescadores, que no inverno fica totalmente inundada, e cobre os arrozais que se
estendem nos baixios úmidos. É o grande céu aberto que, à noite, se inunda de
estrelas, e se alarga por todos os lados, ficando mais perto da terra quando as
igrejas – da Corrente, da Penha, de São Gonçalo Garcia, Senhor dos Pobres,
Santa Cruz, São Sebastião, Santa Luzia, do Convento de São Francisco – estão
mudas e graves como as de Minas Gerais. Isso porque, minha amiga, Penedo é uma
lembrança de Minas Gerais. Há minas inexploradas na Ilha da Pedra e no Convento
de São Francisco, onde também se encontram um subterrâneo e dois invisíveis
carneiros de ouro, há inumeráveis tesouros enterrados pelos holandeses. Um
frade guarda ambiciosamente os tesouros ocultos da Bica da Torneira. Em todas
as casas de Penedo se abrigam botijas seculares.
Penedo-AL, Av. Nilo Peçanha, 1943 |
RIO,
ARROZAIS E FANTASMAS
O
rio São Francisco, que está próximo do mar, é obstinadamente vário em suas
cores, azuis, verdes e amarelas. Lembras-te da novela de Thomas Hardy que eu li
para que te deslumbrasses com o homem que buscava desesperadamente a bem-amada
perdida entre os penhascos hostis de Wessex? Penedo é assim. Tudo recorda a
presença de mistérios, de coisas sobrenaturais, de amores maiores do que o
tempo. Os campos, de um verde metálico, estendido entre os arrozais cintilantes
de prata, deixam ver caminhos ásperos por onde, no século passado, rolaram
carruagens e cabriolés.
No
rio barrento se destacam ilhas verdes, e canoas, e navios de roda como no
Mississipi, barcaças de velas cor-de-rosa. O rio é amigo e inimigo da cidade; amigo
porque lhe dá os melhores peixes: xiras, piranhas, surubins; e inimigo porque,
no inverno, cobre as pedras do penedo com as inundações. Entretanto, são as
águas que conduzem as canoas.
Penedo-AL, Rua João Pessoa, 1943. |
AS
MOÇAS PASSEIAM NAS TARDES FRIAS
Na
Praça Floriano Peixoto as moças passeiam, e não se lembram de que a cidade foi
fundada em 1560 por Duarte Coelho Pereira, donatário da Capitania de
Pernambuco. Todas são belas, os vestidos azuis como o céu que as cobre. No Bar
Central, os homens leem os jornais que o ônibus trouxe de Maceió, e falam da
guerra, apesar da distância que há entre Stalingrado e os arrozais.
Passam
pela Rua dos Pescadores, conduzindo silenciosamente as redes onde se agitam
camarões e robalos.
As
moças de Penedo, mais alegres do que as dos subúrbios calmos do Recife e de
Salvador, menos silenciosas do que as de Belo Horizonte e Aracaju, esperam os
namorados nas ruas, na ponte do desembarque, diante dos navios, junto das
velhas igrejas que dão uma atmosfera sobrenatural às praças de bancos
acolhedores.
Eis
o retrato da cidade que não é linda como Juiz de Fora, mas é grave, digna e
feita uma beleza onde se misturam silêncio e recolhimento.
As
igrejas de Penedo parecem construídas para as tuas preces, e nas casas mais do
que provincianas as moças em flor tocam valsas que Maceió despreza. Tocam
valsas fora da moda.
Os
jovens ágeis que jogam tênis e dançam blues no club granfino da cidade e os
jornais de manchetes explosivas como granadas são os únicos indícios do tempo
presente, pois as igrejas, as casas malassombradas e os vestígios dos homens
lembram tempos antigos.
Penedo-AL, foto Marc Ferrez, 1875. |
CONVITE
E OFERENDA
Sob
estes céus altos do Rio, nos edifícios onde há elevadores e telefones, entre os
girassóis amigos de Belo Horizonte, em Baía do Salvador, passeando de braços
pela Rua Chile, no Recife, no porto pleno de grandes navios, perto das salinas
românticas de Aracaju, enfim, em qualquer lugar onde estejamos, deves me
lembrar o nome de Penedo.
Seria
como se olhasse novamente estes postais que ora me devolves.
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Transcrito
da revista Carioca, RJ, 3 de julho de 1943. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/830259/24203 e http://memoria.bn.br/DocReader/830259/24263
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Caro leitor,
Este
Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com
informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta
documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão,
solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em
qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo
também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é
correto e justo.
LEDO IVO, poeta, romancista, contista, cronista, ensaísta e jornalista, nasceu em Maceió-AL, a 18 de fevereiro de 1924 e faleceu em Sevilha-Espanha, a 23 de dezembro de 2012. Ao escrever VISÃO DE PENEDO, tinha apenas 19 anos. Na foto ao lado, com 14 anos.
Maravilhosa narrativa de Ledo Ivo. Aos 16 anos já mostrava o grande poeta, cronista... O qual se tornou para orgulho da nossa Alagoas.
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