Conto de W.
Batinga de Mendonça[i]
Penedo. Fonte:Arquivo Nacional
Corria o ano de 1906. O
Cajueiro Grande não era ainda esse aprazível bairro que hoje constitui a melhor
zona de moradia de Penedo. Poucas eram as casas. O mato crescia exuberantemente
pelas ruas.
Na hoje Praça Joaquim
Távora, nas proximidades da igreja do Senhor dos Pobres, erguia-se uma casinha
mal coberta de palha de ouricuri que abundava por traz do cemitério. Nela
morava o velho Mané Gomes, caboclo decidido que de nada jamais de arreceiou.
Correu um rumor entre
os poucos habitantes da zona de que um “bicho” andava aparecendo pelo Cajueiro
Grande, fazendo arruaças com quantos notívagos lá aparecessem.
Houve, mesmo, quem o
tivesse visto. O João da Rocinha, que tinha uma filha, moçoila dos seus vinte
anos bem sabidos, vira-o uma vez, através de uma fresta da porta, atravessar
pela frente de sua casa. Era alto, envolto em comprido roupão preto, com olhos
luzidios como brasas, e longas unhas. Assim o vira o João da Rocinha.
O Mané Gomes ouvira o
povo falar do “bicho” e ficara a rir, com um riso seu, malicioso. Era ele velho
conhecedor da vida. Experimentado...
Os moradores entenderam
de pegar o “bicho”. Dias e dias esperaram: ele não aparecia, porém. O Mané
Gomes via todo esse trabalho e ficava em sua porta até alta noite, puxando seu
pito de barro.
Passaram-se os dias, e
o “bicho”, que não aparecia, foi sendo esquecido.
Após as noites de
escuro, quando a lua majestosa reinava no céu, uma vez em que estava o velho
Gomes a fumar seu cachimbo, viu um vulto ao longe surgir, devagar, devagarinho,
e parar no tradicional Cajueiro que deu seu nome ao bairro. Dali,
esgueirando-se pelos matos, ele chegou até a parede da igrejinha, e de lá,
acocorado, soltou um assobio forte que estrilou no silêncio da noite.
Mané Gomes, que entrara
em casa, arrodeou pelo mata-pasto do cemitério com uma corda na mão, e se foi
aproximando, lentamente, da igreja.
Novo assobio cortou os
ares. Desta vez, na porta da casa de João da Rocinha, uma luzinha apontou e
depois desapareceu. Mané Gomes compreendeu. Era a filha do João. Este tinha ido
para sua roça à tardinha, e só chegaria no dia seguinte, à tarde. A filha
ficara em casa com a velha que estava a dormir profundamente, no momento.
O Gomes deu uma volta,
ainda com a corda na mão, e se pôs no oitão da casa do João da Rocinha.
Era tempo. Assim que lá
chegou, o “bicho” foi se aproximando, e quando ia a entrar na casa, sentiu uma
corda a passar-lhe no pescoço. Com o susto, caiu! Um vulto surgiu, e
amarrou-lhe as mãos, os pés, as pernas e, lentamente, à luz da lua, arrancou o
pano preto que o “bicho” tinha no rosto. Soltou depois uma gargalhada forte,
que estrugiu na noite. A porta onde ia o “bicho” a entrar, já se fechara e Mané
Gomes ouviu uma voz que rezava.
Finalmente chegou o
dia.
O primeiro passante
notou, ao pé do Cajueiro, qualquer coisa amarrada e para lá se dirigiu. Outro chegou,
mais outro. E a roda foi crescendo, aumentando. Todos conheceram o “bicho” que
assustava os moradores locais.
Um deles, enfim,
resolve tirar a limpo o mistério. E arranca-lhe a máscara do rosto. A ansiedade
foi geral. Um silêncio envolveu a todos como se se tratasse do ato mais solene
que já houvessem presenciado.
Ao cair a máscara, uma
exclamação surda rompeu o silêncio. Era um comerciante. Honrado. Probo. E cuja
cabeça já estava envolta na auréola branca da velhice.
Quando chegou da roça,
o João da Rocinha teve uma longa conversa com o Mané Gomes e no dia seguinte
arribou viagem rio abaixo para a Ilha dos Bois.
Nunca mais apareceu
bicho no Cajueiro Grande...
Transcrito da revista O
Macho, Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1935.
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tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas
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registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.
[i]
WALDYR BATINGA DE MENDONÇA. Professor, funcionário do IAPI – Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Nasceu em
Penedo no dia 24 de agosto de 1909. Filho de Fernando de Mendonça e Cecília
Batinga de Mendonça, professora na Escola do Oiteiro e no Grupo Escolar Gabino
Besouro, em Penedo-AL. Casado com Maria Lôbo Barreto, conhecida por
“Moreninha”. Seus avós paternos eram: José Francisco de Mendonça (natural de
Quebrangulo-AL) e Theolinda Olympia de Mendonça. Os maternos: José Vicente de
Araújo Batinga e Joana Angélica Machado Batinga. Foi fundador, juntamente com
João Evangelista Cajueiro, do Centro Penedense de Letras. Obra: Jonas Batinga: O Poeta de Penedo, Rio de Janeiro: Edições
Batinga, III, 1988.
Excelente conto. Mais um para abrilhantar e estimular o desejo pela literatura. Esta, wue nos faz viajar no espaço-tempo con graciosidade. Parabéns, confrade
ResponderExcluirEste Conto do Waldir Batinga (O BICHO DO CAJUEIRO GRANDE), identifica-se muito bem com histórias contadas em várias outras cidades e povoações do interior nordestino.
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