sábado, 11 de maio de 2024

MARCUS VINÍCIUS

 

Por Etevaldo Amorim

 

Marcus Vinícius


O último dia 7 deste mês de maio marcou a data da morte, em 1976, do inesquecível pão-de-açucarense Marcus Vinícius.

 

Poeta, jornalista, compositor, desenhista industrial, Marcus Vinicius Maciel Mendonça, filho de Aldemar de Mendonça e Zelina Alves Maciel, nasceu em Pão de Açúcar, no dia 14 de fevereiro de 1937. Iniciando seus estudos em sua terra natal, transferiu-se para Maceió, em 1949, ingressando no Colégio Estadual de Alagoas.

 

Expressando extraordinário dom para o desenho, foi neste ofício que experimentou seu primeiro emprego, no extinto Fomento Agrícola, órgão do Ministério da Agricultura, em 1955.

 

Marcus Vinícius em sua mesa de trabalho.

A poesia o encantava e seus versos eram dotados de extrema sensibilidade.

 

PÃO DE AÇÚCAR

 

Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.

 

Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.

 

Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.

 

Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.

 

Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa (não é bom lembrar...)

 

Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.

Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.

Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado (a educação personificada)

E João Lisboa (do Cristo Redentor)

A grandiosa joia.

Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.

 

***   ***

 

Como jornalista e músico, tornou-se figura conhecida e querida dos boêmios e da intelectualidade alagoana a partir da segunda metade da década de 1950.

 

Em 1959, entra para o Diário de Alagoas, órgão do grupo político do governador Sebastião Marinho Muniz Falcão.

 

Foi com o pseudônimo de Ícaro que ficou conhecido na imprensa de Alagoas, tanto no Diário de Alagoas como na Gazeta de Alagoas, para onde se transferiu em 1964, sempre encarregado pela edição do que na época se chamava de “Sociedade”, e que depois passou a ser a coluna social.

 

Já conhecido nas rodas sociais de Maceió, figura requisitada para as festas, reuniões e bailes nos principais clubes da capital alagoana, Ícaro era um dos mais importantes e assíduos frequentadores do Bar Jaqueira. Os seus amigos de boemia e música eram Aldemar Paiva, Nelsinho Almeida, Bercelino Maia, Reinaldo Costa, Juvenal Lopes, Setton Neto, entre outros.

 

Marcus Vinícius ao violão.


A sua permanência na imprensa diária durou cerca de quinze anos, entre 1955 e 1970, quando deixou de trabalhar como jornalista profissional e retornou à antiga função de funcionário público federal como desenhista do Ministério da Agricultura.

 

Pão de Açúcar lhe prestou justa homenagem ao denominar MARCUS VINÍCIUS a antiga “Rua da Tombadeira”, que se situa entre a Rua Cônego Jasson Souto (próximo ao posto de combustível), passando pelas extremidades das ruas Odilon Pires de Carvalho e Gabino Besouro; atravessando a rua José de Freitas Machado (Zuza Machado); novamente passando nas extremidades das ruas Pe. José Soares Pinto e, por fim, Rua Manoel Pereira Filho (rua do Monte), já na subida para o Conjunto Residencial Elpídio dos Santos.

 

A Rua da Tombadeira sendo pavimentada durante
uma das gestões do Prefeito Augusto Machado
(01/02/1973 - 31/01/1977) 

Tombadeira era nome antigo, referido por Gervásio Francisco dos Santos, em seu livro UM LUGAR NO PASSADO (1976), entre outros nomes de ruas, como “tradicionais e curiosos”. Gervásio que, nascido em 1916, baseou seu trabalho em memórias de infância, constituindo-se em precioso registro da história de Pão de Açúcar.

 

Aldemar Paiva

O radialista, compositor, humorista e escritor alagoano Aldemar Paiva, um dos seus melhores amigos, escreveu a respeito, ao saber que Marcus Vinicius havia morrido de câncer na noite do dia 7 de maio de 1976:

 

Ícaro, ele se assinava assim, o meu amigo Marcus Vinicius Maciel Mendonça, 39 anos, jornalista, seresteiro das Alagoas.

Meu amigo de Maceió morrendo às 23 horas do dia 7, seu corpo sendo levado para o Parque das Flores. Um lugar lindo, que andei visitando outro dia, em Maceió. Lugar bom para se ficar enterrado. Comércio de flores... Ouvindo orações... Tranquilo, belo, sossegado. Ali está Ícaro, o meu amigo.

Ícaro pegava o violão com o mesmo desembaraço com que usava a máquina de escrever e compunha. Ele não queria ser um profissional. Era o seresteiro anônimo.”




Outro alagoano, expoente das letras e do jornalismo, também escreveu sobre Marcus Vinícius. Arnoldo Jambo[i], na edição de 21 de maio de 1976, deixou gravada nas páginas do Diário de Pernambuco, a crônica

 

A FITA, O TROVADOR E A CEIFADEIRA

 

Rubens Jambo

A velha fita de gravador está a transmitir agora mesmo sua voz que calou. Mais de quinze anos passaram. O homem, no entanto, está aqui vivinho, malgrado a notícia de morte. Um milagre da eletrônica – pelo que devemos lastimar não o tenham desfrutado os nossos bisavós, que jamais sonharam ouvir música ou vozes dos que se foram antes deles. São vantagens insondáveis que a técnica permitiu. Além de conservar os sons, ela também nos garante o sentimento e a poesia que se alonga pelo canto das coisas e dos seres.

Mais de quinze anos...

Depois de Normann Fielding, com seu arrastado sotaque de súdito de S. Majestade Britânica (“Dizem de fato que o inglês é frio, mas eu até que não estou me sentindo muito frio agora”), do minhoto Agostinho Cistelos, José Brandão, Elói Paurílio[ii], daquela roda de despedida já perdida no tempo, vai-se agora o poeta, o cantor, o violonista, jornalista Marcus Vinícius. Apagou muito jovem pelo muito que prometia no cantar e no viver.

Dele se há de dizer que amou a vida em toda a sua plenitude de contemplativo. Munido de uma das mais apreciáveis vozes de cantor popular de sua geração. Marcus Vinícius, desde quando garoto chegou de Pão de Açúcar a Maceió, foi uma referência calosa nas noites de boemia da como que amolentada cidade que os alagoanos fizeram levantar às margens de suas mornas e murmurantes lagoas.

Positivamente cuidou muito pouco de si. A outra ambição não se apegou, durante os seus trinta e poucos anos, que não a de cantar para o deleite dos outros. Um autêntico trovador nesta materializante atualidade dos dias, ele foi cronista de jornal – o Ícaro – e menestrel naquele bom sentido que se deve e pode tornar dos nossos tempos. Compôs músicas e fez poemas. Perdulário sonoro de tudo quanto apreciava em nosso cancioneiro popular, ao som do seu violão e da sua admirável entonação vocal, embeberam-se noites adentro grupos inúmeros de deslumbradas figuras – homens e mulheres, velhos e moços – no curtir de dores de cotovelo e nas expansões e esperanças de amores recém-prometidos.

Há um destino de que se assinalam as criaturas assim como soube ser este Marcus Vinícius de quem agora a humanidade se diminui. É uma espécie de fado – ou sina – que parece determinar que em seu derredor se unam e reúnam gentes – para submeter-se à catarse que a música tão bem sabe realizar em tantos seres humanos.

Está o Marcus, depois de morto, quase diante dos meus olhos – pelo seu violão, pela sua interpretação cancioneira. Depois da tecnologia assoberbante do nosso século, presos os sons nas fitas e acetatos, não mais silenciam as gerações perante as que lhe seguirão. Como vivos conseguimos reter Noel Rosa, Ary Barroso, Lupcínio Rodrigues, Lamartine Babo (não sei o famoso Sinhô), grandes e intensamente poetas comunicantes do nosso tempo. Continuam às nossas ordens, gravados, pautados e decorados, transmitindo-nos todo aquele mundo de simplicidade e pureza lírica que pela música nos chega com alívio enganador, mas nunca mortificante.

Não é difícil imaginar-se o quanto continuar gratificantes para todos nós os Pixinguinhas, Ataúfo Alves, Dolores Durand. Se não terçaram armas, se não rebentaram em amplos e graves gestos de todo-poderosos, foram e vão muito mais longe na grande ajuda com que serviram e servem aos semelhantes. São figuras “quentíssimas”, dizem bem os jovens. E participam mais das nossas vidas – que vida, realmente, é parte da existência atravessada sem sustos nem temores – que os heróis lendários do passado, os Guilherme Tell cansativos em tantas latitudes.

Pois este grande, mas modesto das primeiras horas de domingo último, emergente de um sábado nunca esperado com aquele de que falava no ritornelo da canção de Vinícius de Morais – foi para junto destes todos que acabo de referir. Acredito que poucos dos que o aplaudiram souberam em tempo da necessidade de despedida em que se afogou nos transes últimos de seu quarto de hospital, quando o levou a ceifadeira fatal.

Muito embora não se tenha projetado como em verdade merecia – sempre preferiu a glória simples municipal – é certo que sua presença não se foi de todo. Ao lado daquelas coleções que sabia armar tão caprichosamente, restam-lhe uns poucos acetatos com sua voz gravada. E esta fita do meu velho Grundig[iii], em que como um lamento vindo lá do fundo do seu íntimo permanentemente impenetrado para tantas coisas, mas devassado para os acordes e dolência do seu canto, aqueles versos que nos soam imperativamente desconsoladores:

Tristeza não tem fim,

Felicidade sim.”

 

***    ***

 

FONTES:

PÃO DE AÇÚCAR, CEM ANOS DE POESIA (coletânea organizada por Etevaldo Amorim).

Blog do Majella, Marcus Vinícius, Jornalista, Poeta e Cantor, 2 de maio de 2010.

 

NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

 



[i] João Arnoldo Paranhos Jambo nasceu em Maceió no dia 7 de janeiro de 1922. Era filho do despachante Alfredo da Silva Jambo e de Elita Paranhos Jambo. Casou-se com Leonor de Magalhães Jambo, com quem teve os filhos Arnoldo Virgílio Jambo, médico em São Paulo; Alfredo Sérgio Magalhães Jambo, desembargador do TJ/PE; e Barbara Heliodora Jambo, renomada professora e artista plástica.

 

[ii] Elói Paurílio. Filho de Hipólito Paurílio da Silva e de Antônia Malheiros da Silva. Lei nº 2.248, de 5 de novembro de 1975, denomina RUA ELOI PAURÍLIO a primeira rua paralela à de nome Francisco Domingues da Silva, no bairro do Poço, em Maceió.

[iii] Grundig. Empresa alemã fabricante de eletrônicos de consumo de propriedade da Arçelik A.Ş., fabricante de produtos da linha branca (grandes eletrodomésticos) do conglomerado turco Koç Holding . Fundada em 1945 por Max Grundig e eventualmente sediada em Nuremberg.

Um comentário:

  1. Esse é mais um personagem de habilidades ecléticas que engrandece a terra de Jaciobá

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia