Por
Etevaldo Amorim
Marcus Vinícius |
O
último dia 7 deste mês de maio marcou a data da morte, em 1976, do inesquecível
pão-de-açucarense Marcus Vinícius.
Poeta,
jornalista, compositor, desenhista industrial, Marcus Vinicius Maciel Mendonça,
filho de Aldemar de Mendonça e Zelina Alves Maciel, nasceu em Pão de Açúcar, no
dia 14 de fevereiro de 1937. Iniciando seus estudos em sua terra natal,
transferiu-se para Maceió, em 1949, ingressando no Colégio Estadual de Alagoas.
Expressando
extraordinário dom para o desenho, foi neste ofício que experimentou seu
primeiro emprego, no extinto Fomento Agrícola, órgão do Ministério da Agricultura,
em 1955.
Marcus Vinícius em sua mesa de trabalho. |
A
poesia o encantava e seus versos eram dotados de extrema sensibilidade.
PÃO
DE AÇÚCAR
Meu
mundo bom
De
mandacarus
E
Xique-xiques;
Minha
distante carícia
Onde
o São Francisco
Provoca
sempre
Uma
mensagem de saudade.
Jaciobá,
De
Manoel Rego, a exponência;
De
Bráulio Cavalcante, o mártir;
De
Nezinho (o Cego), a música.
Jaciobá,
Da
poesia romântica
De
Vinícius Ligianus;
Da
parnasiana de Bem Gum.
Jaciobá,
Das
regências dos maestros
Abílio
e Nozinho.
Pão
de Açúcar,
Vejo
o exagero do violão
De
Adail Simas;
Vejo
acordes tão belos
De
Paulo Alves e Zequinha.
O
cavaquinho harmonioso
De
João de Santa,
Que
beleza!
O
pandeiro inquieto
De
Zé Negão
Naquele
rítmo de extasiar;
Saudade
infinita
De
Agobar Feitosa (não é bom lembrar...)
Pão
de Açúcar
Dos
emigrantes
Roberto
Alvim,
Eraldo
Lacet,
Zé
Amaral...
Verdadeiros
jaciobenses.
E
mais:
As
peixadas de Evenus Luz,
Aquele
que tem a “estrela”
Sem
conhecê-la.
Pão
de Açúcar
Dos
que saíram:
Zaluar
Santana,
Américo
Castro,
Darras
Nóia,
Manoel
Passinha.
Pão
de Açúcar
Dos
que ficaram:
Luizinho
Machado (a educação personificada)
E
João Lisboa (do Cristo Redentor)
A
grandiosa joia.
Pão
de Açúcar,
Meu
mundo distante
De
Cáctus
E
águas santas.
______
Publicado
no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.
*** ***
Como
jornalista e músico, tornou-se figura conhecida e querida dos boêmios e da
intelectualidade alagoana a partir da segunda metade da década de 1950.
Em
1959, entra para o Diário de Alagoas, órgão do grupo político do governador
Sebastião Marinho Muniz Falcão.
Foi
com o pseudônimo de Ícaro que ficou conhecido na imprensa de Alagoas, tanto no
Diário de Alagoas como na Gazeta de Alagoas, para onde se transferiu em 1964,
sempre encarregado pela edição do que na época se chamava de “Sociedade”, e que
depois passou a ser a coluna social.
Já
conhecido nas rodas sociais de Maceió, figura requisitada para as festas,
reuniões e bailes nos principais clubes da capital alagoana, Ícaro era um dos
mais importantes e assíduos frequentadores do Bar Jaqueira. Os seus amigos de
boemia e música eram Aldemar Paiva, Nelsinho Almeida, Bercelino Maia, Reinaldo
Costa, Juvenal Lopes, Setton Neto, entre outros.
Marcus Vinícius ao violão. |
A
sua permanência na imprensa diária durou cerca de quinze anos, entre 1955 e
1970, quando deixou de trabalhar como jornalista profissional e retornou à antiga
função de funcionário público federal como desenhista do Ministério da
Agricultura.
Pão
de Açúcar lhe prestou justa homenagem ao denominar MARCUS VINÍCIUS a antiga “Rua da Tombadeira”, que se situa entre a
Rua Cônego Jasson Souto (próximo ao posto de combustível), passando pelas extremidades
das ruas Odilon Pires de Carvalho e Gabino Besouro; atravessando a rua José de
Freitas Machado (Zuza Machado); novamente passando nas extremidades das ruas
Pe. José Soares Pinto e, por fim, Rua Manoel Pereira Filho (rua do Monte), já
na subida para o Conjunto Residencial Elpídio dos Santos.
A Rua da Tombadeira sendo pavimentada durante uma das gestões do Prefeito Augusto Machado (01/02/1973 - 31/01/1977) |
Tombadeira
era nome antigo, referido por Gervásio Francisco dos Santos, em seu livro UM
LUGAR NO PASSADO (1976), entre outros nomes de ruas, como “tradicionais e
curiosos”. Gervásio que, nascido em 1916, baseou seu trabalho em memórias de
infância, constituindo-se em precioso registro da história de Pão de Açúcar.
Aldemar Paiva |
O radialista, compositor, humorista e escritor alagoano Aldemar Paiva, um dos seus melhores amigos, escreveu a respeito, ao saber que Marcus Vinicius havia morrido de câncer na noite do dia 7 de maio de 1976:
“Ícaro, ele se assinava assim, o meu amigo
Marcus Vinicius Maciel Mendonça, 39 anos, jornalista, seresteiro das Alagoas.
Meu
amigo de Maceió morrendo às 23 horas do dia 7, seu corpo sendo levado para o
Parque das Flores. Um lugar lindo, que andei visitando outro dia, em Maceió.
Lugar bom para se ficar enterrado. Comércio de flores... Ouvindo orações...
Tranquilo, belo, sossegado. Ali está Ícaro, o meu amigo.
Ícaro pegava o violão com o mesmo desembaraço com que usava a máquina de escrever e compunha. Ele não queria ser um profissional. Era o seresteiro anônimo.”
A FITA, O
TROVADOR E A CEIFADEIRA
Rubens Jambo |
“A velha fita de gravador está a transmitir agora mesmo sua voz que calou. Mais de quinze anos passaram. O homem, no entanto, está aqui vivinho, malgrado a notícia de morte. Um milagre da eletrônica – pelo que devemos lastimar não o tenham desfrutado os nossos bisavós, que jamais sonharam ouvir música ou vozes dos que se foram antes deles. São vantagens insondáveis que a técnica permitiu. Além de conservar os sons, ela também nos garante o sentimento e a poesia que se alonga pelo canto das coisas e dos seres.
Mais
de quinze anos...
Depois
de Normann Fielding, com seu arrastado sotaque de súdito de S. Majestade
Britânica (“Dizem de fato que o inglês é frio, mas eu até que não estou me
sentindo muito frio agora”), do minhoto Agostinho Cistelos, José Brandão, Elói
Paurílio[ii],
daquela roda de despedida já perdida no tempo, vai-se agora o poeta, o cantor,
o violonista, jornalista Marcus Vinícius.
Apagou muito jovem pelo muito que prometia no cantar e no viver.
Dele
se há de dizer que amou a vida em toda a sua plenitude de contemplativo. Munido
de uma das mais apreciáveis vozes de cantor popular de sua geração. Marcus
Vinícius, desde quando garoto chegou de Pão de Açúcar a Maceió, foi uma
referência calosa nas noites de boemia da como que amolentada cidade que os
alagoanos fizeram levantar às margens de suas mornas e murmurantes lagoas.
Positivamente
cuidou muito pouco de si. A outra ambição não se apegou, durante os seus trinta
e poucos anos, que não a de cantar para o deleite dos outros. Um autêntico
trovador nesta materializante atualidade dos dias, ele foi cronista de jornal –
o Ícaro – e menestrel naquele bom sentido que se deve e pode tornar dos nossos
tempos. Compôs músicas e fez poemas. Perdulário sonoro de tudo quanto apreciava
em nosso cancioneiro popular, ao som do seu violão e da sua admirável entonação
vocal, embeberam-se noites adentro grupos inúmeros de deslumbradas figuras –
homens e mulheres, velhos e moços – no curtir de dores de cotovelo e nas
expansões e esperanças de amores recém-prometidos.
Há
um destino de que se assinalam as criaturas assim como soube ser este Marcus Vinícius de quem agora a
humanidade se diminui. É uma espécie de fado – ou sina – que parece determinar
que em seu derredor se unam e reúnam gentes – para submeter-se à catarse que a
música tão bem sabe realizar em tantos seres humanos.
Está
o Marcus, depois de morto, quase
diante dos meus olhos – pelo seu violão, pela sua interpretação cancioneira.
Depois da tecnologia assoberbante do nosso século, presos os sons nas fitas e
acetatos, não mais silenciam as gerações perante as que lhe seguirão. Como
vivos conseguimos reter Noel Rosa, Ary Barroso, Lupcínio Rodrigues, Lamartine
Babo (não sei o famoso Sinhô), grandes e intensamente poetas comunicantes do
nosso tempo. Continuam às nossas ordens, gravados, pautados e decorados, transmitindo-nos
todo aquele mundo de simplicidade e pureza lírica que pela música nos chega com
alívio enganador, mas nunca mortificante.
Não
é difícil imaginar-se o quanto continuar gratificantes para todos nós os
Pixinguinhas, Ataúfo Alves, Dolores Durand. Se não terçaram armas, se não
rebentaram em amplos e graves gestos de todo-poderosos, foram e vão muito mais
longe na grande ajuda com que serviram e servem aos semelhantes. São figuras
“quentíssimas”, dizem bem os jovens. E participam mais das nossas vidas – que
vida, realmente, é parte da existência atravessada sem sustos nem temores – que
os heróis lendários do passado, os Guilherme Tell cansativos em tantas
latitudes.
Pois
este grande, mas modesto das primeiras horas de domingo último, emergente de um
sábado nunca esperado com aquele de que falava no ritornelo da canção de
Vinícius de Morais – foi para junto destes todos que acabo de referir. Acredito
que poucos dos que o aplaudiram souberam em tempo da necessidade de despedida
em que se afogou nos transes últimos de seu quarto de hospital, quando o levou
a ceifadeira fatal.
Muito
embora não se tenha projetado como em verdade merecia – sempre preferiu a
glória simples municipal – é certo que sua presença não se foi de todo. Ao lado
daquelas coleções que sabia armar tão caprichosamente, restam-lhe uns poucos
acetatos com sua voz gravada. E esta fita do meu velho Grundig[iii],
em que como um lamento vindo lá do fundo do seu íntimo permanentemente
impenetrado para tantas coisas, mas devassado para os acordes e dolência do seu
canto, aqueles versos que nos soam imperativamente desconsoladores:
Tristeza
não tem fim,
Felicidade
sim.”
*** ***
FONTES:
PÃO
DE AÇÚCAR, CEM ANOS DE POESIA (coletânea organizada por Etevaldo Amorim).
Blog
do Majella, Marcus Vinícius, Jornalista, Poeta e Cantor, 2 de maio de 2010.
NOTA:
Caro leitor,
Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA
E LITERATURA”, constam postagens com informações históricas resultantes de
pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência
bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu
interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior
proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a
citação das referências. Isso é correto e justo.
[i]
João Arnoldo Paranhos Jambo nasceu
em Maceió no dia 7 de janeiro de 1922. Era filho do despachante Alfredo da
Silva Jambo e de Elita Paranhos Jambo. Casou-se com Leonor de Magalhães Jambo,
com quem teve os filhos Arnoldo Virgílio Jambo, médico em São Paulo; Alfredo
Sérgio Magalhães Jambo, desembargador do TJ/PE; e Barbara Heliodora Jambo,
renomada professora e artista plástica.
[ii]
Elói Paurílio. Filho de Hipólito
Paurílio da Silva e de Antônia Malheiros da Silva. Lei nº 2.248, de 5 de
novembro de 1975, denomina RUA ELOI PAURÍLIO a primeira rua paralela à de nome
Francisco Domingues da Silva, no bairro do Poço, em Maceió.
[iii]
Grundig. Empresa alemã fabricante de
eletrônicos de consumo de propriedade da Arçelik A.Ş., fabricante de produtos
da linha branca (grandes eletrodomésticos) do conglomerado turco Koç Holding .
Fundada em 1945 por Max Grundig e eventualmente sediada em Nuremberg.
Esse é mais um personagem de habilidades ecléticas que engrandece a terra de Jaciobá
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