Etevaldo Amorim
Ainda guardo na memória o dia em que o vi pela primeira vez. Porto de Propriá, manhã ensolarada de um dia qualquer de julho de 1964.
Da minha altura de criança eu contemplava, admirado, aquele mar de águas encrespadas pelo vento que soprava do litoral. Eu, que jamais vira uma corrente de água com tamanha grandeza, me senti ainda menor diante da sua imponência.
O São Francisco, que naquela margem sergipana era largo e pujante, corria veloz rumo ao oceano, cumprindo seu destino de prover a subsistência do ribeirinho e ser objeto da integração e do movimento comercial.
Vindos do Sul, nosso destino era o Sertão. Embarcamos, e lá chegamos a muito custo, após dois pernoites por falta de vento.
Fui-me ambientando àquele novo mundo. Impressionava-me a rotina dos pescadores, com seus diversos tipos de “artes”: a tarrafa, a rede, o tresmalho, o anzol (de vara e de linha), a grozeira, o jereré... lançando mão de cada uma delas de acordo com o peixe a ser pescado.
Era imensa a diversidade: desde a simples piaba, a aragu, o cari, o mandim, o capadinho, peixes miúdos e de pouco valor; até o piau, a piranha, a pirambeba, a crumatá, o pacu, a traíra, o camurupim, o surubim, o niquim, o robalo, a pilombeta, a tubarana, a matrinxã, o tubi, o sarapó... e os crustáceos camarão, pitu, ...
Divertia-me em apreciar as canoas: charitas, chatas e “de tolda”, com sua panaria multicor, a navegar rio-acima, rio-abaixo, tornando o rio uma imensa estrada colorida.
Os canoeiros, verdadeiros ases em seu ofício, exibiam extrema habilidade no manejo das escotas, no regrar os panos e na escolha do caminho a ser seguido. Se rio-acima, beirando os morros, em águas de remanso; se rio-abaixo, aproveitando justamente a maior corrente, bordejando, num zigue-zague sem fim, até o pondo almejado.
Nos pés-de-morro, o perigo iminente: as panelas d’água formadas pela forte correnteza, que a destreza dos pilotos superava sobejamente.
Não demorou muito e eu, em dias de vento brando e certo, já me iniciava na arte de navegar. Aboletado na popa da canoa de meu pai, uma “chatinha” confortável e possante, segurando firme a cana-de-leme, eu seguia rio-acima, panos cheios, em corrida ligeira e prazerosa.
Em ambos os lados, a paisagem era diversa. A alvura das coroas que apareciam, aqui e ali a cada vazante, contrastava com o tom acinzentado dos morros adjacentes.
Em terras de vazante ou nas várzeas e lagoas, imensos arrozais, a riqueza do pobre, quase sempre meeiro ou arrendatário. Do plantio, em animados batalhões, movidos a aguardente e cantoria, restava apenas o “caldeirão”, ponto mais fundo da lagoa e para onde acorriam os peixes, ali pescados à fartura.
Bandos de paturís e marrecos revoavam em estridente algazarra, quando não caíam nas arapucas armadas ao longo da vastidão de areia.
O tempo passou e eu fui levado a outras vivências, que me distanciaram das coisas do rio. E agora, tanto tempo passado, outro motivo não há, senão a saudade, pra me fazer aventurar nesta prosa improvisada, e não me furtar ao dever de render um tributo a esse rio, que ficou no passado e não é mais o mesmo.
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Canoa de pescaria rio acima. Foto tomada do Morro do Morim, Limoeiro, 2004. |
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Belas lembranças. As águas do Velho Chico que, nascituro, quase me engoliram em Belo Monte, fazem parte de nossa história, de nossas vidas.
ResponderExcluirBoa noite?tudo isso que me lembrar a primeira vez que fui a Penedo foi muito bom leri e reli o seu histórico,continue esuma importância para o Pão de Acucarence.
ResponderExcluirParabéns, Etevaldo! Navegando nas suas memórias, pesquei as minhas , escondidas nas águas do nosso rio e das lagoas, hoje mortas do vasto paraíso perdido
ResponderExcluirLindo registro. A alma fala. Vc faz um trabalho magnífico. Colaborador imensurável da história. Sua fã. Gisela Pfau
ResponderExcluirParabéns Etevaldo; por este magnífico relato! Que Deus lhe abençoe, lhe dê saúde, cada vez mais; inteligência e sabedoria!
ResponderExcluirTexto Espetacular, nos traz uma emoção extraordinária e com a tamanha riqueza de detalhes e amor no coração
ResponderExcluirConheço todos estes peixes, porém acho que o nome de um deles é ubarana, e não tubarana, ou tem dois tipos?
ResponderExcluirPescava muito aí em Niterói, e estes relatos me lembram muito minha época de menina, muito bom mesmo
ResponderExcluirFantástico
ResponderExcluirFantástico
ResponderExcluirParabens fico feliz por você trazer estas lembranças muito importante na nossas vidas
ResponderExcluirParabéns !
ResponderExcluirRio São Francisco, faz parte das nossas vidas...um abraço !
Parabéns...!
ResponderExcluirParabéns...!
ResponderExcluirBoas lembranças...valeu !
Parabéns...!
ResponderExcluirBoas lembranças...valeu !
Meuze Cordeiro
Parabéns pela escrita e pelo sentimento que, por meio dela, nos faz sentir.
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