sexta-feira, janeiro 31

EU E O RIO

Etevaldo Amorim

 

Ainda guardo na memória o dia em que o vi pela primeira vez. Porto de Propriá, manhã ensolarada de um dia qualquer de julho de 1964.


Da minha altura de criança eu contemplava, admirado, aquele mar de águas encrespadas pelo vento que soprava do litoral. Eu, que jamais vira uma corrente de água com tamanha grandeza, me senti ainda menor diante da sua imponência.


O São Francisco, que naquela margem sergipana era largo e pujante, corria veloz rumo ao oceano, cumprindo seu destino de prover a subsistência do ribeirinho e ser objeto da integração e do movimento comercial.


Vindos do Sul, nosso destino era o Sertão. Embarcamos, e lá chegamos a muito custo, após dois pernoites por falta de vento.


Fui-me ambientando àquele novo mundo. Impressionava-me a rotina dos pescadores, com seus diversos tipos de “artes”: a tarrafa, a rede, o tresmalho, o anzol (de vara e de linha), a grozeira, o jereré... lançando mão de cada uma delas de acordo com o peixe a ser pescado.


Era imensa a diversidade: desde a simples piaba, a aragu, o cari, o mandim, o capadinho, peixes miúdos e de pouco valor; até o piau, a piranha, a pirambeba, a crumatá, o pacu, a traíra, o camurupim, o surubim, o niquim, o robalo, a pilombeta, a tubarana, a matrinxã, o tubi, o sarapó... e os crustáceos camarão, pitu, ...


Divertia-me em apreciar as canoas: charitas, chatas e “de tolda”, com sua panaria multicor, a navegar rio-acima, rio-abaixo, tornando o rio uma imensa estrada colorida.


Os canoeiros, verdadeiros ases em seu ofício, exibiam extrema habilidade no manejo das escotas, no regrar os panos e na escolha do caminho a ser seguido. Se rio-acima, beirando os morros, em águas de remanso; se rio-abaixo, aproveitando justamente a maior corrente, bordejando, num zigue-zague sem fim, até o pondo almejado.


Nos pés-de-morro, o perigo iminente: as panelas d’água formadas pela forte correnteza, que a destreza dos pilotos superava sobejamente.


Não demorou muito e eu, em dias de vento brando e certo, já me iniciava na arte de navegar. Aboletado na popa da canoa de meu pai, uma “chatinha” confortável e possante, segurando firme a cana-de-leme, eu seguia rio-acima, panos cheios, em corrida ligeira e prazerosa.


Em ambos os lados, a paisagem era diversa. A alvura das coroas que apareciam, aqui e ali a cada vazante, contrastava com o tom acinzentado dos morros adjacentes.


Em terras de vazante ou nas várzeas e lagoas, imensos arrozais, a riqueza do pobre, quase sempre meeiro ou arrendatário. Do plantio, em animados batalhões, movidos a aguardente e cantoria, restava apenas o “caldeirão”, ponto mais fundo da lagoa e para onde acorriam os peixes, ali pescados à fartura.


Bandos de paturís e marrecos revoavam em estridente algazarra, quando não caíam nas arapucas armadas ao longo da vastidão de areia.


O tempo passou e eu fui levado a outras vivências, que me distanciaram das coisas do rio. E agora, tanto tempo passado, outro motivo não há, senão a saudade, pra me fazer aventurar nesta prosa improvisada, e não me furtar ao dever de render um tributo a esse rio, que ficou no passado e não é mais o mesmo.


Canoa de pescaria rio acima. Foto tomada do Morro do Morim, Limoeiro, 2004.


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NOTA

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

16 comentários:

  1. Belas lembranças. As águas do Velho Chico que, nascituro, quase me engoliram em Belo Monte, fazem parte de nossa história, de nossas vidas.

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  2. Boa noite?tudo isso que me lembrar a primeira vez que fui a Penedo foi muito bom leri e reli o seu histórico,continue esuma importância para o Pão de Acucarence.

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  3. Parabéns, Etevaldo! Navegando nas suas memórias, pesquei as minhas , escondidas nas águas do nosso rio e das lagoas, hoje mortas do vasto paraíso perdido

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  4. Lindo registro. A alma fala. Vc faz um trabalho magnífico. Colaborador imensurável da história. Sua fã. Gisela Pfau

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  5. Parabéns Etevaldo; por este magnífico relato! Que Deus lhe abençoe, lhe dê saúde, cada vez mais; inteligência e sabedoria!

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  6. Texto Espetacular, nos traz uma emoção extraordinária e com a tamanha riqueza de detalhes e amor no coração

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  7. Conheço todos estes peixes, porém acho que o nome de um deles é ubarana, e não tubarana, ou tem dois tipos?

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  8. Pescava muito aí em Niterói, e estes relatos me lembram muito minha época de menina, muito bom mesmo

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  9. Adelaide Góes De Paulo01 fevereiro, 2025 19:39

    Parabens fico feliz por você trazer estas lembranças muito importante na nossas vidas

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  10. Parabéns !
    Rio São Francisco, faz parte das nossas vidas...um abraço !

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  11. Parabéns...!
    Boas lembranças...valeu !

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  12. Parabéns...!
    Boas lembranças...valeu !
    Meuze Cordeiro

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  13. Carla Figueiredo Guimarães02 fevereiro, 2025 18:26

    Parabéns pela escrita e pelo sentimento que, por meio dela, nos faz sentir.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia