sábado, abril 26

DR. FÉLIX MORENO BRANDÃO

 

Por Etevaldo Amorim

 

Pão de Açúcar, 1869. Foto: Abílio Coutinho.

Para falar dessa importante personalidade, permitam-me que o faça na primeira pessoa, apenas para demonstrar como dela tomei conhecimento.


Entre os anos de 1976/78, estava eu trabalhando na cidade de Mata Grande, exercendo os misteres da minha profissão de técnico agrícola na área de extensão rural. Convidado pelo Dr. Paulo Félix de Souza, médico e diretor da escola cenecista local, passei a dar aulas naquele conceituado estabelecimento de ensino, denominado Colégio Normal Félix Moreno.


Interessei-me em saber quem era o patrono da escola. Procurei a Secretária Valdeci Mendonça, que me entregou uma folha de papel, datilografada em frente e verso, sem indicação de autoria, contendo uma pequena biografia do “DOUTOR FÉLIX MORENO BRANDÃO”.


“MORENO BRANDÃO” me lembrou o famoso historiador pão-de-açucarense, tão exaltado nos discursos proferidos nas cerimônias cívicas, em Pão de Açúcar. E qual não foi a minha suspresa ao constatar que se tratava do pai de Francisco Henrique Moreno Brandão...


Transcrevo aqui o inteiro teor:

 

Era o Doutor Félix Moreno Brandão filho legítimo do Capitão Anacleto de Jesus Maria Brandão e de Dona Maria Francisca da Conceição Brandão, tendo nascido na cidade de Mata Grande neste Estado a 26 de novembro de 1825 (?).


Iniciou seus estudos preparatórios em 1850, matriculando-se na Faculdade de Medicina da Bahia em fevereiro de 1853. A 29 de novembro de 1858, sustentou tese versando a mesma sobre ciências cirúrgicas, acessórias e médica, tendo recebido o grau a 18 de dezembro do mesmo ano[i].


Casou-se a 2 de março de 1863 com sua sobrinha Dona Maria de Aguiar Moreno Brandão.


As atividades que mais ilustraram a personalidade do Doutor Félix Moreno Brandão foram, entre outras, as seguintes:


Nomeado 2º Cirurgião do Corpo de Saúde do Exército (posto que já exercia em Pernambuco desde 21 de junho de 1860), a 2 de dezembro do mesmo ano foi promovido a 1º Cirurgião, cargo que já exercia em comissão, por decreto de 1º de junho de 1867. Seguiu para Pão de Açúcar a fim de se despedir da família e tomar parte na guerra do Paraguai, no dia 15 de outubro de 1865. Foi promovido Major-Cirurgião de Brigada do Exército, por merecimento, em campanha, por decreto de 20 de maio de 1869 e despacho do Delegado do Cirurgião-Mor do Estado de Pernambuco de 2 de julho de 1870.


Por ocasião da guerra do Paraguai montou, no Chaco, por ordem do Duque de Caxias, um hospital de sangue. Pela sua dedicação e valor, fora condecorado com as medalhas da Ordem de Cristo e de São Bento de Aviz.


Foi transferido, no mesmo cargo, para o Pará e daquela província para o Ceará. Foi transferido para o Amazonas e dali para Sergipe e finalmente, por despacho de 23 de julho de 1875. Em 1878, exercia o cargo de Delegado do Cirurgião-Mor da Brigada do Exército na cidade de Maceió[ii], quando adoeceu de béri-béri, tendo falecido no dia 24 de agosto do mesmo ano, às 8 horas e meia da manhã, na cidade de Pão de Açúcar.


Como médico, o seu raio de ação não se circunscreveu à sua terra natal, estendeu-se por longínquas partes do país, chegando até as terras paraguaias de onde trouxe o fatídico mal que o vitimou.


Há outros fatos não menos importantes na sua vida, que constam de notas particulares, como sejam:


- Durante a epidemia de cólera-morbus, o governo prometeu a gratificação de 10.000$000 para quem fosse tratar os doentes em Cruangi, Estado de Pernambuco. O Doutor Félix foi, cumpriu abnegadamente o seu dever e recusou a gratificação.


- Consta igualmente ter sido ele o comandante da praça de Assunção quando ali chegaram as tropas brasileiras, por ser o oficial de mais alta patente naquele momento presente à cidade paraguaia.


Sendo de notar uma das particularidades mais tocantes de sua vida foi quando, numa operação, em campanha, na amputação de um membro de um seu patrício, foi acometido de uma forte dor, da qual procurando posição, foi salvo de um projétil que lhe causaria a morte, se tivesse se mantido na posição em que  se achava operando. Ele próprio atribuiu esse feliz incidente a uma medalha milagrosa que sua esposa lhe tinha posto no pescoço na hora de sua partida para a guerra.


Do seu consórcio, deixou os seguintes filhos:


Manoel Caetano de Aguiar Brandão, nascido na cidade de Recife a 8 de novembro de 1872, orador de grandes recursos e polemista de valor, casado com dona Marieta Pinho Brandão, ambos falecidos em Penedo deixando 8 filhos maiores.


Carolina Brandão Lisboa, nascida em Pão de Açúcar a 28 de março de 1874, casada com o Senhor Pedro Vieira Lisboa a 19 de dezembro de 1891 e falecida a 28 de junho de 1947 na cidade de Maceió, deixando três filhos maiores.


Francisco Hemrique Moreno Brandão, nascido em Pão de Açúcar a 14 de setembro de 1875, casado em primeiras núpcias com dona Ascendina de Menezes Brandão, ambos falecidos, deixando dois filhos maiores.


E finalmente Maria da Nunciação Brandão Cavalcante, nascida em Maceió a 3 de outubro de 1877, casada em 17 de janeiro de 1893 na cidade de Pão de Açúcar com o Senhor José Venustiniano Cavalcante Filho, tendo ela falecido a 30 de dezembro de 1894 sem deixar descendentes.


Foram seus irmãos: Manoel Manoel Caetano de Aguiar Brandão, grande proprietário e chefe político em Pão de Açúcar; Francisco Henrique Brandão, proprietário em Entre Montes; Padre Matias José de Santana Brandão; Capitão Antônio Manoel de Castilho Brandão; Agostinho José de Nevile Brandão; Joaquim da Natividade Brandão; e Doutor Anacleto de Jesus Maria Brandão Filho, tendo todos com exceção do padre Matias José de Santana Brandão, deixado honrosa prole; destacando-se valiosos rebentos como D. Antônio Manoel de Castilho Brandão, 1º Bispo de Alagoas, professor e grande escritor Francisco Henrique Moreno Brandão e tantos outros nas letras e na política de Pão de Açúcar figuraram como astros de primeira grandeza.”


***   ***


Aldemar de Mendonça, em seu Monografia de Pão de Açúcar, menciona que, ao regressar do Paraguai, foi recebido em Pão de Açúcar com muita festa e banda de música.

 

Em 20 de maio de 1869, por Decreto desta data, e sob proposta do Marechal de Exército Conde d’Eu, Comandante em Chefe do Exército em operações no Paraguai, o Dr. Félix Moreno Brandão foi promovido a 1º Cirurgião do Corpo Médico do Exército, por merecimento em serviço de campanha. Na mesma ocasião, foi promovido a 2º Cirurgião o Médico João Severiano da Fonseca, irmão do Mal. Deodoro da Fonseca.

***   ***

O QUE SE DISSE SOBRE ELE...

 

POESIA Recitada na Igreja Matriz da Cidade de Pão de Açúcar ao dar-se à sepultura o cadável do Doutor FÉLIX MORENO BRANDÃO[iii]:

 

Cessou a voz do antiste e o dobre lutulento.

Ouvi agora um canto qu’entoa ao ilustre morto:

Prestai breve atenção, amigos dedicados

Dos que, neste momento, soluçam sem conforto.

 

Não foi um Rei da terra, que, de cetro, trono e c’orôa

Cedeu, reverente, a vermes - que tudo põem em pó;

Não foi fidalgo, nobre, nem príncipe de sangue

Que em luxos e vaidades a vida gasta só.

 

Nao foi - vulto gigante - que anseia entrar na História

Com o peito vulnerado de honrosas cicatrizes;

Não foi Pompeu nem Gracelso – romanos destemidos –

Que c’roas enfeixaram, de múltiplos matizes.

 

Foi mais que um Rei na terra – o morto qu’ali vedes.

Há Reis que são de argila – sem fé no coração;

Que com Leis férreas, duras, esmagam seus vassalos:

Aquele que ali vedes não foi Rei ... foi cristão.

 

A Igreja abriu-lhe os braços – A cruz deu-lhe a beijar

À hora derradeira seu sopro – foi... Jesus –

A esposa teve ao lado – Uniu ao peito os filhos.

E assim viram seus olhos brilharem à eterna luz!

 

Foi nobre – mas não esses que insuflam sangu azul,

Linhagens, pergaminhos, comendas e brasões,

Soldado da cruzada que Cristo ergueu na terra.

Pacifica, sem ferro, sem sangue e sem canhões!

 

Amou a Igreja e o Estado: serviu a dois Senhores:

Com lealdade ao trono – com fé viva ao altar.

Oremos, meus Senhores, por alma de um cristão

Que vai, contrito e humilde, no Paraiso entrar.

 

Oremos. É dever: que irmãos somos em Cristo.

A prece é como o pranto; são bálsamo p’ra as dores:

- Incensos mais que puros – de aroma inebriante

São suas ânforas cheias do mel de eleitas flores!

 

Oremos. É dever  - Joelhos em terra! Oremos.

Que o coração foi sempre bendita do Senhor.

Quem curva a fronte e reza, te Deus dentro de si,

A encher-lhe a alma do fogo de seu Divino Amor!

 

Pão de Açúcar, 25 de agosto de 1878. 

( A. I. G. F. M.)

 

Transcrito do Jornal do Penedo, 13 de setembro de 1878.

 

***   ***

 

PEQUENO TRIBUTO DE DOR E SAUDADE À MEMÓRIA DO DR. FÉLIX MORENO BRANDÃO.

 

Vítima de terrível Beribéri, que zombou de todos os recursos da medicina, finou-se no dia 24 do mês passado, nesta cidade, pelas 8 horas da manhã, a preciosa vida do distinto médico Dr. Félix Moreno Brandão, um dos membros proeminentes da família do último nome, neste município.


O Dr. Moreno, residente na Capital desta Província, onde com esmero e dedicação exercia o importante cargo de Delegado do Cirurgião-Mor do Exército, com sua dedicada esposa aqui havia chegado no dia dez do dito mês, porém já em estado de intumescência tal do corpo e dos membros, talvez produzida pela acumulação de serosidades no tecido celular subcutâneo, que, em vez de encontrar alívio em nosso clima,   como certamente esperava, o traiçoeiro mal tomou proporções assustadoras, aparecendo-lhe de quando em vez algumas síncopes e, afinal, a morte, essa terrível parca!


Foi assim que o distinto discípulo de Hipócrates, o homem probo, o bom parente e amigo dedicado, no dia 24 de agosto, dia em que esta cidade sentiu os efeitos do mais acerbo pesar, sucumbiu, entregando-se resignado, como verdadeiro cristão que era, nos braços do Crucificado.


O vácuo deixado pelo Dr. Moreno é difícil de ser preenchido!


Deixou ele a extremosa esposa inconsolável, alguns filhinhos menores na orfandade, que ainda bem não podem avaliar a imensa perda, alguns irmãos e grande número de parentes e amigos que se acham mergulhados na dor e sentimento.


A todos esses, nossas sinceras condolências!


Pão de Açúcar, 11 de setembro de 1878.

a)      Um amigo.”

 

Transcrito do Jornal do Penedo, 11 de outubro de 1878.

 

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“O DR FÉLIX MORENO BRANDÃO

 

Qual enregelado Zéfiro, veio um silêncio sepulcral embargar-lhe os gozos da vida.


Pereceu, é verdade, o Dr. Moreno! O vácuo que deixou entre a sociedade, amigos e parentes, será dificilmente preenchido.


Altos juízos de Deus!


Oh! Morte!... quando porás termo à tua peregrinação? ...


Sua ira, porem, será um dia suplantada nos umbrais das dissoluções e o gume aguçado do teu alfange, suspensas nas regiões aéreas do espaço imundo, permanecerá eternamente imutável.


À tua peregrinação supera a consumação dos Séculos!


O nome do Dr. Moreno ficará indelével e eternamente gravado na memória dos amigos; sua honra será pranteada  e retratar-se-á, por sem duvida, nos seus corações.


Ao passo que sua enfermidade se agravava, caminhava ele para a terra, que devia com seu pesado manto cobrir-lhe o corpo inerte.


Ali rodeado de parentes e amigos, com os braços abertos, como terno pai e carinhoso esposo, recebeu seus inconsoláveis filhos e consorte que tanto pranteiam a sua ausência.

...

Como militar, sempre soube o Dr. Moreno, com atividade e carinho de todos, desempenhar as diferentes comissões para as quais fora nomeado.


Seus atos foram sempre pautados sob uma norma de conduta, aplaudida dos honestos e sensatos.


As honrosas promoções à sua ilibada conduta foram devidas.


Entre os vivos, pertencia ele ao número dos bons; entre os mortos, é de se supor, fará parte dos justos. Talis vita, finis ita.[iv]


Dorme o Dr. Moreno, em mortuário leito, o tranquilo sono da morte! Aos gozos da vida, substituiu um silêncio sepulcral.


Uma fria lousa lhe serve de manto! Mas divisa-se, evidentemente, por entre os transparentes véus de vosso ideal, que, morrendo, encetou uma nova vida de delícias. “A morte não é um sono eterno, mas o começo da imortalidade.”


O Senhor, que sempre soube premiar os justos, fazemos votos para que o acolha em sua Divina Morada e aos da sua ilustre família damos nossos sinceros pêsames.


Porto Real do Colégio, 20 de setembro de 1878.

(a)   Manoel Martins Bizerra Brandão.”

 

Transcrito do Jornal do Penedo, 2 de novembro de 1878.

 

Hospital de sangue em Paso de Patria, Paraguai.


PEQUENA BIOGRAFIA

***   ***

 

NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, defendeu a tese . APRECIAÇÃO DOS MEIOS OPERATORIOS EMPREGADOS NA CURA DOS POLYPOS DOS ORGÃOS SEXUAES DA MULHER. Fonte: Teses Doutorais de Titulados pela Faculdade de Medicina da Bahia, de 1840 a 1928.

[ii] Por esse tempo, mantinha consultório na Rua Augusta, 27 – Maceió-AL. Fonte: Almanak da Província de Alagoas – 1877.

[iii] Jornal do Penedo, 13 de setembro de 1878.

[iv] "Talis vita, finis ita" é uma locução latina que significa "Tal a vida, tal o fim" ou "Tal vida, tal morte". É usada para expressar a ideia de que a forma como alguém vive impacta diretamente a sua morte ou o seu final.


2 comentários:

  1. Legal amigo , é mais uma que , fostes buscar com competência do fundo do baú , e que ao meu vê , vem disseminar interessantes história reais da nossa região nordeste , em especial da nossa Alagoas e do vizinho Pernambuco . Parabéns 👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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  2. Médico, militar, humanista. Mais do que um resgate, uma homenagem à memória do ilustre Dr. Moreno Brandão. Muito bom

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia