sábado, 20 de fevereiro de 2016

A FEIRA DESCE! NÃO DESCE!

Renato de Alencar[i]    

Até o Governo Washington Luiz, o sistema eleitoral brasileiro era muito defeituoso e se baseava na boa fé. Ora, sendo o povo desta nação facilmente levado a cometer atos de má fé, especialmente na área da política, nada mais natural que em nossas Atas eleitorais sempre houvesse fraudes às toneladas.
Uma eleição para Presidente da República, deputados e senadores ou governador do Estado, nunca deixou de ser contestada, e ainda há casos a apurar no emaranhado de votos a bico de pena...
Em muitos Estados do Norte do país se passavam episódios dignos de um novo Cervantes, de um cronista que registrasse em livros bem ilustrados as quixotadas dos nossos políticos sertanejos. Vamos referir-nos, nesta página, à teima que sempre surgia em muitas cidades nordestinas, em torno da feira. Todo chefe político local, coronel ou doutor, ou era negociante ou possuía parentes estabelecidos na infalível “rua do comércio”. Ora, como os melhores locais eram os pátios de feira, para onde afluíam os roceiros que vinham, semanalmente, vender e abastecer-se, a política da cidade ou vila girava em volta do local da feira. Quando o coronel Janjão subia, descia a feira da zona do Doutor Barnabé e este ficava desmoralizado. Quando era este quem vencia a eleição, subia a feira para o pátio de sua área comercial, enquanto o coronel, com sua numerosa família, ficava espumando de raiva e prometendo vigar-se nas próximas eleições.
No Estado de Alagoas havia muitas cidades em que o problema da feira constituía o índice de prestígio do chefe político respectivo. Não era preciso ler telegramas de Maceió ou do Rio para saber-se quem saíra vencedor na eleição. Bastava que os matutos, com suas cargas de cereais, rapadura, farinha, jerimum, etc., se instalassem na “rua de baixo” ou na “rua de cima”.
Dentre muitas destas cidades destacava-se a de Traipu, no baixo S. Francisco, onde imperava o conhecido e respeitado Coronel Serapião[ii], senhor de vinte fazendas, político habilíssimo, chefe de numerosa família, com filhos e genros magistrados e parentes no clero. O Coronel Serapião, certa vez, evitou a queda de um governo em Alagoas, viajando de Traipu a Maceió, por terra, a cavalo três dias, e a trem seis horas. Era ele Senador Estadual. Com o seu voto dentro de uma Assembleia cercada de tropas e canhões do Exército ameaçando varrer tudo a metralha, o magríssimo e alto Senador de Traipu evitou uma revolução e a queda de um regime legal. Por isso lhe deram o pitoresco apelido de “Senador Semente”.
Mas, no íntimo, o Coronel Serapião não defendia a continuidade do governador; o que ele fazia era lutar pela manutenção da feira na “rua de baixo”. Se perdesse a parada, seus inimigos políticos, estabelecidos na “rua de cima”, levariam a feira de Traipu lá para o pátio do alto, o que seria uma desgraça maior do que a do terremoto de Lisboa...
O velho Serapião, montado em seu cavalo a fiscalizar fazendas, era o tipo perfeito de D. Quixote. Magro, meio curvado, rosto fino, olhos vivos, barbicha esguia e bem tratada, ele mantinha entranhado amor à terra em que vivia, protegia desvalidos, perdoava os fracos de mão, dava trabalho a retirantes, defendia os governos constituídos e sabia fazer Atas eleitorais a bico de pena. Só não suportava cigano e ladrão de cavalo.
Certa vez o seu prestigio esteve por um fio. A política denunciava tormentas colossais. As notícias de Maceió eram aterradoras. Filhos, netos, bisnetos, sobrinhos, primos, genros, a esposa, parentes, afilhados, verdadeiro exército feudal, formaram em volta do patriarca. Boatos borbulhavam pelas esquinas, nas barbearias, no porto: “A feira agora sobe!” E os do coronel respondiam com energia: “Não sobe!” E, se subir? Todos respondiam com vigor: “A feira desce!” E os adversários: “Não desce!”
E a feira jamais subiu enquanto esteve à frente da política de Traipu aquele incrível coronel Serapião de Albuquerque, figura perfeita de Don Quixote, leal, defensor dos humildes, corajoso, invencível. Velho danado!
______________
Extraído da Revista da Semana, 28/02/1950, p. 58.



[i] Renato Gomes de Matos Peixoto de Alencarusava simplesmente Renato de Alencar e contribuiu para enriquecer a literatura brasileira. Nasceu em Caucaia, 4 de abril de 1895, filho de Francisco Tomás de Souza Peixoto e Maria Gomes de Matos Peixoto. Perdeu o pai aos nove anos, quando ainda não havia terminado o curso primário. Três anos depois ficou órfão de mãe. Passou a viver na companhia de sua tia Ana Gomes de Matos Magalhães, que o criou em Pernambuco, ensinando-lhe as primeiras letras e que, em vida dos pais era considerada a segunda mãe. Autodidata, por não ter condições de cursar colégios na época, mudou-se para Piranhas(AL) e colaborou na imprensa local. Dedicou-se também ao magistério e dirigiu colégios em Pernambuco, Alagoas e Paraíba. Colaborou com numerosos jornais. Concluiu o curso de Direito em 1933.No Rio de Janeiro dedicou-se à imprensa e à literatura. Nunca advogou. Tinha uma visão crítica e isso evidencia-se em sua narrativa. Abaixo, a relação de seus livros: Perfil de Josélia (poema em prosa e verso,1914); Mentiras Poéticas (contos,1917); Traições da Língua Portuguesa,1921; Núpcias de Fogo e Sangue,1933; Em Busca de Deus,195; A Conversão; Quer Ser Escritor? (Curso de Estilística); Minha Jangada de Bambu,1963; A Igreja do Padre Ateu,1965; No Eito,1966; Enciclopédia Histórica do Mundo Maçônico-3 volumes, 1979. Jornalista, professor. Casou com Noêmia de Albuquerque Novaes. Morou em Alagoas, Paraíba e Pernambuco. Foi proprietário, em 1920, de um colégio em Pesqueira PE. Em 1927 representou o Estado de Alagoas na 1 Conferência Nacional de Educação, reunida em Curitiba (PR). Fixou-se no Rio de Janeiro em 1928, dedicando-se a atividades comerciais. Poeta, romancista, filólogo, ensaísta, publicou: Perfil de Josília (1927, Maceió); Mentiras Poéticas (idem); Traições da Língua Portuguesa. (comentários filológicos); Dom Marcelino e Dom Safadão (romances, Recife - PE); Antagonias da Didática da Unilateralidade do Ensino (tese apresentada. na I Conferência Nacional de Educação); Núpcias de Fogo e Sangue (romance sobre a revolução de 1930); Canário e seus Contemporâneos, Minha Jangada de Bambu; Quer ser Escritor? (Rio de Janeiro): A Igreja do Padre Ateu (romance, 1965); Acertos e Extravagâncias da Nomenclatura Gramatical Brasileira; Qual a Correta Grafia dos Meses - Com Inicial Maiúscula ou Minúscula? (separatas da “Revista de Portugal”, de Lisboa). Redator da “Revista da Semana” (Rio de Janeiro). Algumas das entidades culturais a que pertenceu: Associação Brasileira de Jornalista e Escritores de Turismo (ABRAJET), Sociedade Brasileira de Escritores, e Sociedade de Língua Portuguesa, esta sediada em Lisboa (Portugal).

[ii] Serapião Rodrigues de Albuquerque. Foi Senador Estadual e Intendente e dá nome à principal rua daquela cidade. Foi ainda pecuarista, proprietário de loja de tecidos e de máquina de descaroçar algodão em Traipu. Foi comandante superior da Guarda Nacional no 37º Batalhão de Infantaria, Traipu. Era pai de dr. Rosa de Albuquerque, esposa do Dr. Miguel de Novaes Mello, o primeiro prefeito de Pão de Açúcar.

6 comentários:

  1. Renato Peixoto de Alencar, irmão de minha bisavó Adélia Peixoto Japiassu. Cunhado de Antônio Japiassu.

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  2. Adélia era filha da bisavó Ana Gomes de Matos?

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    1. Minha bisavó era filha de Francisco e Maria. Ana seria tia dela e também de Renato. Sei que Renato, Adélia ( Minha bisavó ) tinham outra irmã chamada Olga

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  3. A tia que criou meu avô, tinha 3 filhos homens e uma menina, irmão do meu avô, não sei o nome era conhecido por Peixotinho. Nunca soube o nome dele. Um bisneto da tia Ana. Franklin contou toda a história deles. Quando minha bisa foi para casa da irmã com os dois filhos Renato e Peixotinho. Sua irmã tinha 3 filhos e uma menina. Quando minha bisa morreu sua irmã criou todos como se fossem irmãos e não primos.
    Ele disse que ela não admitia que não se tratassem como irmãos. Criou os primos como verdadeiros irmãos. Foram muito bons com meu avô e seu irmão. Para que ele não se sentisse órfão de pai e mãe. Sou muito grata a a vovó Na minha é seu marido.

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  4. Adélia era o nome da menina, que era irmã do meu avô.
    Uma tarde estava na casa dela, e minha avó falou: "aquele ( a visita) é irmão do seu avô".
    Não falei nada, mas pensei, " como são diferentes estes irmaos" estilo, altura, tudo diferente. Pensei como o irmão era um homem moderno, muito diferente do meu avô, que até em casa usava camisa social, o irmão com camisa esporte, queimado de praia. Estilo diferente. Não se pareciam em nada! Lógico! Eram primos!
    O irmão, tio Peixotinho não conheçi. Criou raízes e família em Sergipe.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia