sexta-feira, 18 de setembro de 2020

DONA ROSA

 

Coelho Cavalcanti[i]

A sua história, ou antes, a história do seu heroísmo é tradicional.

Nasceu na velha cidade de Alagoas, baluarte dos holandeses dos tempos coloniais, então capital da heroica província do mesmo nome.

Busto de Dona Rosa da Fonseca

O marido, homem incógnito, que nunca saiu dali, e viveu da sua profissão de pescar na lagoa Manguaba, morreu lhe deixando os filhos na primeira idade.

Pedindo a uns e pedindo a outros, conseguiu ela viessem eles para o Rio, partindo os mais taludos para as fronteiras do Paraguai, àquele tempo da guerra.

Os que não se acabavam no campo da luta, saíram de lá consagrados. Dentre eles, Deodoro, que fundou a República, e lhe foi primeiro Presidente.

O Barão de Alagoas, ídolo de sua classe, não foi menor do que esse irmão generalíssimo.

Hermes da Fonseca, o pai, um talento prodigioso, morreu marechal, honrando a Pátria e o Exército.

Pedro Paulino, Senador e Governador de Alagoas, de quem me honro de haver sido amigo na minha jovem idade, foi o exemplo edificante do patriota, do homem público, do homem de bem.

Os outros, tombados às carabinas e às lanças do exército selvagem de Solano Lopez, diz o testemunho histórico que passaram para a eternidade pela ponte de Itororó.

Volveram trinta anos de República.

O povo alagoano, em sinal de sua indelével gratidão, lembra-se de erigir, numa das praças públicas de sua capital, a antiga Praça do Livramento, uma estátua a D. Rosa.

Fizeram-no debaixo do mais frenético entusiasmo cívico, o maior que ainda se espoucou nas plagas quietas do sururu de capote.

Dizem todos, e ainda resta muita gente que a viu, que a ilustre matrona, mãe de tantos filhos heróis, não primava, em absoluto, pela beleza plástica. Tinha, pelo contrário, uma cabeça enorme, uns fios de barba no mento, uma boca enorme, um nariz enorme.

O escultor copiou a sua fisionomia tal qual a vira num retrato fidelíssimo que lhe puseram às mãos.

Conta-se o seguinte: que depois dos festejos, na respectiva inauguração em homenagem à insigne velha, posta em bronze, um matuto alagoano, o clássico almocreve, de chapéu de baeta desabado, camisa fora das calças, contemplou longo tempo a estátua de D. Rosa, olhou-a muito de fito, muito mesmo, de braços e cabeça de banda.

Seguidamente, como se dissesse, porventura, o melhor discurso daquele dia ferial, filosofou:

- É feia, mas pariu bonito!!!!

E deu volta.

______________

Transcrito da Revista das Revistas, RJ, 23 de outubro de 1919. Publicamos em memória do nascimento de Dona Rosa da Fonseca, ocorrido em 18 de setembro de 1802. Para saber mais, acesse https://www.historiadealagoas.com.br/uma-mae-alagoana-na-historia-do-brasil-d-rosa-da-fonseca.html


[i]


João Francisco Coelho Cavalcanti, conhecido por João Barafunda, advogado e poeta. (São Luiz do Quitunde-AL, 1874 – Rio de Janeiro, 1938). Filho do poeta satírico Joaquim da Cunha Cavalcanti e de Belmira de Alcântara Menezes Cavalcanti. Bacharelou-se em direito pela Faculdade do Recife. Poeta satírico, seus versos e modinhas eram cantados pelo interior do Estado, sendo entre as modinhas a mais popular aquela denominada Genura. Teve uma vida errante e cheia de aventuras, vagando por alagoas, até ser ameaçado de morte por causa de sátiras violentas. Exerceu advocacia e foi Juiz de direito em Passo Fundo (RS), de onde saiu por razões políticas, e refugiando-se em Rivera, Uruguai. Jornalista no Amazonas. Internado no Hospício da Praia da Saudade, em 1923, no Rio de Janeiro. Espírito altamente independente de zombeteiro panfletário. Pseudônimos: Amália Peitiguary e Coelho Cavalcanti. Obras: Ouro de Lei, 1918; Carola Maluca, Rio de Janeiro, 1919 (prosa); Pontas de fogo, Rio de Janeiro, 1922 (crônicas); Gigantes e Pigmeus. Colaborou no Correio do Povo, em Porto Alegre e em O Momento. Fonte: ABC DAS ALAGOAS. Francisco Reynaldo Amorim de Barros.

 

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia