quarta-feira, maio 14

FATOS MARCANTES DO ANO DE 1966

Por Etevaldo Amorim

 

Todo aquele que pretenda relembrar fatos, ainda que pequenos, da História de Pão de Açúcar, terá que recorrer ao indispensável PÃO DE AÇÚCAR, HISTORIA E EFEMÉRIDES, do saudoso pesquisador Aldemar de Mendonça. Suas anotações, coligidas em muitos anos de pesquisa, são uma referência para aqueles que, como nós, procuram trazer à luz os acontecimentos que o tempo tenta fazer esquecer.


Destacamos aqui alguns fatos do ano de 1966, anotados pelo ilustre patrício, aos quais acrescentamos outros, para que o leitor possa rememorar ou deles tomar conhecimento.


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O ano começa com a tradicional Festa do Bom Jesus dos Navegantes, tendo à frente o padre Eliomar Queiróz Mafra. Naquela época, predominavam as festividades de cunho religioso, concentradas na Praça do Bomfim, de onde partia o cortejo até as margens do rio, transformando-se em procissão fluvial.


Os festejos de natureza popular se resumiam às corridas de canoa, prática esportiva carregada de muita disputa e muita alegria.


Procissão de Bom Jesus dos Navegantes. Pão de Açúcar, 1966.


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No dia 31 de janeiro, deu-se o segundo fato digno de registro: a posse do prefeito Augusto de Freitas Machado, que fora eleito em 3 de outubro do ano anterior com  910 votos, superando seu opositor Jurandir Gomes, que obtivera 619.


O Sr. Augusto Machado iniciava assim mais uma gestão, que terminaria em 30 de janeiro de 1970.

O prefeito Augusto Machado


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No mês de junho, Pão de Açúcar recebeu uma personalidade internacional: o professor Felix Carbajal. Entre 4 e 9 daquele mês, ele proferiu um série de conferências, no Cine Globo, de propriedade do Sr. José de Moura Amaral.


Não nos foi possível saber quais foram os temas do ciclo de conferências. Mas, no Recife, onde já estava em meados de setembro daquele ano, depois de passar quinze dias em Maceió, o tema foi o poeta nicaraguense Rubén Darío.[i]


Carbajal era formado em Letras Neolatinas pela Universidade de Madrid; em História da Idade Média pela Sorbone, em Paris; e Filosofia de Ciência pela Universidade de Stanford, na Califórnia.


Do que se lê sobre ele, uma definição se sobressai: era “Poeta, filósofo, professor, construtor de relógios de sol[ii], viajante e nômade.”


Félix Peyrallo Carbajal nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 23 de setembro de 1913. Filho de Félix Peyrallo e Rosa Carbajal. Faleceu em Blumenau, Santa Catarina, em 3 de agosto de 2005.

O professor Felix Carbajal em 1962.



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Um fato curioso se verificou em julho.


Procedente de Paulo Afonso, a caminho da Fazenda Belém (de propriedade da família Brito, localizada no município de Porto da Folha-Sergipe, entre a Ilha de São Pedro e a Fazenda Araticum), o Sr. Waldemar Menezes Carneiro[iii]  chegou a Pão de Açúcar e não encontrou nem ponte nem balsa para cruzar o São Francisco. Para voltar, havia 468 quilômetros de estradas. Muito chão para quem tinha pressa. Uma opção para a travessia até o povoado Niterói, na margem sergipana, era uma canoa de apenas 1,25 metros de largura.


Waldemar, que era representante, no Nordeste, de grande empresa paulista, não teve dúvidas: embarcou o seu carro e lá se foi São Francisco afora, numa travessia de 1.800 metros.[iv]


Tratava-se de uma chata de médio porte. Sobre ela foram dispostas duas pranchas no sentido transversal da embarcação, bem amarradas, sobre as quais se fez subir o fusca do Sr. Waldemar.

O Sr. Waldemar ao lado do seu fusca, em corajosa travessia. Foto: revista Automóveis e Acessórios, Nº 250, Ano 21, outubro/1966.

 

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No dia 21 de agosto de 1966, registra Aldemar de Mendonça, “chegaram a Pão de Açúcar as freiras holandesas da Ordem de São Francisco, dirigentes da Escola São Vicente, com os cursos Infantil e Fundamental comum (primário).”

Essa efeméride seria o que de mais alvissareiro poderia acontecer. Pisavam em solo pão-de-açucarense as Irmãs Missionárias Franciscanas de Asten, Odiliana e Clementina.


As irmãs Odiliana, Redenta e Clementina.


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Entretanto, o final do ano se revelaria fatídico. No dia 28 de novembro, por volta das 19 horas, uma forte ventania se abateu sobre a cidade; e com tal força, que arremessou para longe toda a cobertura do prédio do Iate Clube Pão de Açúcar, situado na Avenida Ferreira de Novaes.


O Iate Clube Pão de Açúcar

O Iate Clube Pão de Açúcar após a ventania que pôs abaixo a sua cobertura. Foto: acervo de Aldemar de Mendonça, sob guarda se sua filha Lygia.
 

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Chega, por fim, dezembro. Precisamente no dia 10, logo cedo, um acontecimento terrivelmente contristador abalaria a sociedade pão-de-açucarense e de toda a região.


Um ônibus da empresa Nossa Senhora das Dores, que fazia a linha Niterói – Aracaju, diariamente, estava a postos no local de partida, enquanto os passageiros entravam.


Imprudentemente, o motorista deixara o veículo com motor acionado e em local de considerável declive em relação ao rio São Francisco. Aconteceu que, pela trepidação provocada pelo funcionamento do motor, o freio de mão foi cedendo e o ônibus foi, pouco a pouco, descendo de ré em direção ao rio. Seguiram-se momentos de pavor, sem que ninguém tomasse qualquer iniciativa de pisar no freio, de abrir a porta, enfim...


Consumou-se a tragédia. O ônibus submergiu, levando consigo doze vítimas fatais.


Dias depois, como era costume naqueles tempos, surgiram esses versos, em livretos de cordel, de autor que a memória não me permite lembrar:

 

“A 10 de dezembro, Pão de Açúcar entristeceu

Às cinco da madrugada, Com um caso que se deu.

Foi o maior desafio: O ônibus entrou dentro do rio

E muita gente morreu.”



Niterói (SE), 1966. O ônibus da empresa N. S. das Dores submerso no rio S. Francisco.






[i] Félix Rubén García Sarmiento, conhecido como Rubén Darío (Metapa, hoje Ciudad Darío, Matagalpa, 18 de janeiro de 1867 – León, 6 de fevereiro de 1916), foi um poeta nicaraguense, iniciador e máximo representante do Modernismo literário em língua espanhola. É possivelmente o poeta que tem tido uma maior e mais duradoura influência na poesia do século XX no âmbito hispânico. É chamado de príncipe de las letras castellanas. Fonte: Wikipedia.

 

[ii] Também chamado Relógio Solar, Relógio de Sol é um instrumento que determina as divisões do dia através do movimento da sombra de um objecto, o gnómon, sobre o qual incidem os raios solares e que se projecta sobre uma base graduada, o mostrador ou quadrante. Fone: Wkipedia.

 

[iii] Nasceu em Cedral, São Paulo, em 2 de março de 1928 e faleceu em São Paulo em 8 de fevereiro de 2016. Filho de Benedito Wenceslau Carneiro e Violante Menezes Carneiro. Casado com Maria Aparecida Heck.

 

[iv] Correio da Manhã, edição de 30 de julho de 1966, p. 22, coluna AUTOMOBILISMO, escrita pelo jornalista R. C. Bonfim (Ruy Calheiros Bonfim).

  



4 comentários:

  1. Esse ano de 1966 realmente marcou a vida de muitos, Ainda em tenra idade, nascido em Pão de Açúcar mas morando na vizinha Belo Monte, lembro de um fato ocorrido no final desse ano que quase ceifou minha vida, quando meu saudoso pai levou-me pela primeira vez para me banhar nas água do Velho Chico. Num lapso de tempo, após ensaboar-me, escorreguei dos seus braços e vislumbrei por instantes a profundidade de suas águas. Acho que foi meu grande batismo

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  2. É mais uma história retirada do fundo do baú , porem , lamentavelmente aconteceu essa triste tragédia , entretanto faz parte da surreal situação da época . Parabéns meu caro Etevaldo Amorim , filho da açucarada cidade , plantada no sertão alagoano .

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  3. Bom dia, Etevaldo. Parabvéns pelo blog. Sou filbho de José Amaral. Lembro-me de, pelo menos, dois desses acontecimentos, ambos graves e um deles tráfico: o problema ocorrido com a cobertura do Iate Clube e a tragédia do ônibus que desceu rio a dentro. Perdi um amiguinho daquela época no caso do ônibus: Waltinho, filho de Zeca da Barra, meu vizinho. Eu tinha apensa 6 aos de idade! Esses fatos me marcaram.

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  4. LEMBRO BEM ESSA TRAGÉDIA

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia