Por Etevaldo
Amorim
Todo aquele que pretenda
relembrar fatos, ainda que pequenos, da História de Pão de Açúcar, terá que
recorrer ao indispensável PÃO DE AÇÚCAR, HISTORIA E EFEMÉRIDES, do saudoso
pesquisador Aldemar de Mendonça. Suas anotações, coligidas em muitos anos de
pesquisa, são uma referência para aqueles que, como nós, procuram trazer à luz
os acontecimentos que o tempo tenta fazer esquecer.
Destacamos aqui alguns
fatos do ano de 1966, anotados pelo ilustre patrício, aos quais acrescentamos
outros, para que o leitor possa rememorar ou deles tomar conhecimento.
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O
ano começa com a tradicional Festa do Bom Jesus dos Navegantes, tendo à frente
o padre Eliomar Queiróz Mafra. Naquela época, predominavam as festividades de
cunho religioso, concentradas na Praça do Bomfim, de onde partia o cortejo até
as margens do rio, transformando-se em procissão fluvial.
Os
festejos de natureza popular se resumiam às corridas de canoa, prática
esportiva carregada de muita disputa e muita alegria.
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Procissão de Bom Jesus dos Navegantes. Pão de Açúcar, 1966. |
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No dia 31 de janeiro,
deu-se o segundo fato digno de registro: a posse do prefeito Augusto de Freitas
Machado, que fora eleito em 3 de outubro do ano anterior com 910 votos, superando seu opositor Jurandir
Gomes, que obtivera 619.
O Sr. Augusto Machado
iniciava assim mais uma gestão, que terminaria em 30 de janeiro de 1970.
O prefeito Augusto Machado |
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No mês de junho, Pão de
Açúcar recebeu uma personalidade internacional: o professor Felix Carbajal.
Entre 4 e 9 daquele mês, ele proferiu um série de conferências, no Cine Globo,
de propriedade do Sr. José de Moura Amaral.
Não nos foi possível
saber quais foram os temas do ciclo de conferências. Mas, no Recife, onde já
estava em meados de setembro daquele ano, depois de passar quinze dias em
Maceió, o tema foi o poeta nicaraguense Rubén Darío.[i]
Carbajal era formado em
Letras Neolatinas pela Universidade de Madrid; em História da Idade Média pela
Sorbone, em Paris; e Filosofia de Ciência pela Universidade de Stanford, na
Califórnia.
Do que se lê sobre ele,
uma definição se sobressai: era “Poeta, filósofo, professor, construtor de
relógios de sol[ii],
viajante e nômade.”
Félix Peyrallo Carbajal
nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 23 de setembro de 1913. Filho de Félix
Peyrallo e Rosa Carbajal. Faleceu em Blumenau, Santa Catarina, em 3 de agosto
de 2005.
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O professor Felix Carbajal em 1962. |
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Um fato curioso se
verificou em julho.
Procedente de Paulo
Afonso, a caminho da Fazenda Belém (de propriedade da família Brito, localizada
no município de Porto da Folha-Sergipe, entre a Ilha de São Pedro e a Fazenda
Araticum), o Sr. Waldemar
Menezes Carneiro[iii] chegou a Pão de Açúcar e não encontrou
nem ponte nem balsa para cruzar o São Francisco. Para voltar, havia 468
quilômetros de estradas. Muito chão para quem tinha pressa. Uma opção para a
travessia até o povoado Niterói, na margem sergipana, era uma canoa de apenas 1,25
metros de largura.
Waldemar, que era representante, no Nordeste, de grande empresa paulista, não teve dúvidas:
embarcou o seu carro e lá se foi São Francisco afora, numa travessia de 1.800
metros.[iv]
Tratava-se de uma chata de médio porte. Sobre ela foram dispostas duas pranchas no sentido transversal da embarcação, bem amarradas, sobre as quais se fez subir o fusca do Sr. Waldemar.
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O Sr. Waldemar ao lado do seu fusca, em corajosa travessia. Foto: revista Automóveis e Acessórios, Nº 250, Ano 21, outubro/1966. |
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No dia 21 de agosto de
1966, registra Aldemar de Mendonça, “chegaram a Pão de Açúcar as freiras
holandesas da Ordem de São Francisco, dirigentes da Escola São Vicente, com os
cursos Infantil e Fundamental comum (primário).”
Essa efeméride seria o
que de mais alvissareiro poderia acontecer. Pisavam em solo pão-de-açucarense
as Irmãs Missionárias Franciscanas de Asten, Odiliana e Clementina.
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As irmãs Odiliana, Redenta e Clementina. |
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Entretanto, o final do
ano se revelaria fatídico. No dia 28 de novembro, por volta das 19 horas, uma forte
ventania se abateu sobre a cidade; e com tal força, que arremessou para longe
toda a cobertura do prédio do Iate Clube Pão de Açúcar, situado na Avenida
Ferreira de Novaes.
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O Iate Clube Pão de Açúcar |
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O Iate Clube Pão de Açúcar após a ventania que pôs abaixo a sua cobertura. Foto: acervo de Aldemar de Mendonça, sob guarda se sua filha Lygia. |
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Chega, por fim, dezembro.
Precisamente no dia 10, logo cedo, um acontecimento terrivelmente contristador abalaria
a sociedade pão-de-açucarense e de toda a região.
Um ônibus da empresa
Nossa Senhora das Dores, que fazia a linha Niterói – Aracaju, diariamente, estava
a postos no local de partida, enquanto os passageiros entravam.
Imprudentemente, o
motorista deixara o veículo com motor acionado e em local de considerável
declive em relação ao rio São Francisco. Aconteceu que, pela trepidação
provocada pelo funcionamento do motor, o freio de mão foi cedendo e o ônibus
foi, pouco a pouco, descendo de ré em direção ao rio. Seguiram-se momentos de pavor,
sem que ninguém tomasse qualquer iniciativa de pisar no freio, de abrir a
porta, enfim...
Consumou-se a tragédia. O
ônibus submergiu, levando consigo doze vítimas fatais.
Dias depois, como era
costume naqueles tempos, surgiram esses versos, em livretos de cordel, de autor
que a memória não me permite lembrar:
“A 10 de dezembro, Pão de
Açúcar entristeceu
Às cinco da madrugada,
Com um caso que se deu.
Foi o maior desafio: O
ônibus entrou dentro do rio
E muita gente morreu.”
[i]
Félix Rubén García Sarmiento, conhecido como Rubén Darío (Metapa, hoje Ciudad
Darío, Matagalpa, 18 de janeiro de 1867 – León, 6 de fevereiro de 1916), foi um
poeta nicaraguense, iniciador e máximo representante do Modernismo literário em
língua espanhola. É possivelmente o poeta que tem tido uma maior e mais
duradoura influência na poesia do século XX no âmbito hispânico. É chamado de
príncipe de las letras castellanas. Fonte: Wikipedia.
[ii]
Também chamado Relógio Solar, Relógio de Sol é um instrumento que determina as
divisões do dia através do movimento da sombra de um objecto, o gnómon, sobre o
qual incidem os raios solares e que se projecta sobre uma base graduada, o
mostrador ou quadrante. Fone: Wkipedia.
[iii]
Nasceu em Cedral, São Paulo, em 2 de março de 1928 e faleceu em São Paulo em 8
de fevereiro de 2016. Filho de Benedito Wenceslau Carneiro e Violante Menezes
Carneiro. Casado com Maria Aparecida Heck.
[iv]
Correio da Manhã, edição de 30 de julho de 1966, p. 22, coluna AUTOMOBILISMO,
escrita pelo jornalista R. C. Bonfim (Ruy Calheiros Bonfim).
Esse ano de 1966 realmente marcou a vida de muitos, Ainda em tenra idade, nascido em Pão de Açúcar mas morando na vizinha Belo Monte, lembro de um fato ocorrido no final desse ano que quase ceifou minha vida, quando meu saudoso pai levou-me pela primeira vez para me banhar nas água do Velho Chico. Num lapso de tempo, após ensaboar-me, escorreguei dos seus braços e vislumbrei por instantes a profundidade de suas águas. Acho que foi meu grande batismo
ResponderExcluirÉ mais uma história retirada do fundo do baú , porem , lamentavelmente aconteceu essa triste tragédia , entretanto faz parte da surreal situação da época . Parabéns meu caro Etevaldo Amorim , filho da açucarada cidade , plantada no sertão alagoano .
ResponderExcluirBom dia, Etevaldo. Parabvéns pelo blog. Sou filbho de José Amaral. Lembro-me de, pelo menos, dois desses acontecimentos, ambos graves e um deles tráfico: o problema ocorrido com a cobertura do Iate Clube e a tragédia do ônibus que desceu rio a dentro. Perdi um amiguinho daquela época no caso do ônibus: Waltinho, filho de Zeca da Barra, meu vizinho. Eu tinha apensa 6 aos de idade! Esses fatos me marcaram.
ResponderExcluirLEMBRO BEM ESSA TRAGÉDIA
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